Economista alerta que alta nos preços dos combustíveis terá efeito dominó. Aumento do custo do transporte de mercadorias fará com que a inflação se dissemine na cadeia de alimentos e no setor produtivo.
Como se não bastasse o preço estratosférico da gasolina, a alta nos combustíveis será sentida no bolso do brasileiro ainda mais fortemente a partir do próximo mês. O economista Flauzino Antunes alerta que, em abril, a indústria e o comércio terão de começar a repassar o custo do aumento dos transportes ao consumidor, que vai pagar mais caro também pelo preço de outros produtos, desde gêneros alimentícios até roupas e móveis.
“Haverá alta nos alimentos da safra atual, nas frutas da época, no milho, na soja”, prevê, em entrevista ao Portal Vermelho. “As carnes bovina, suína e de frango também terão alta, porque o insumo de proteína vegetal que esses rebanhos usam contém farelo de soja, faz parte da ração diária, acrescenta.
De acordo com o economista, a substituição por Bolsonaro na Presidência da Petrobras não irá ajudar a conter os preços dos combustíveis, uma vez que, pela PPI (Preços de Paridade de Importação), os reajustes no mercado brasileiro continuam atrelados ao dólar. “Do jeito que está, a economia inteira vai entrar em colapso, com uma inflação muito grande”, acredita.
Leia a íntegra da entrevista.
Que impacto poderá ter a substituição do presidente da Petrobras nos preços dos combustíveis?
Na verdade, Bolsonaro vai trocar um general que faz tudo o que o governo manda por um civil, o Adriano Pires, que manterá a política de preço da gasolina atrelada ao dólar, além de ser uma pessoa historicamente ligada aos carteis de petróleo, pois sempre fez consultoria para esse tipo de grupo.
O que o novo presidente traz de novo? De novo e, para pior, ele mantém a política de preço e, para compensar o prejuízo à população, cria um fundo. Mas não explica esse fundo e não sabemos quem será o grande financiador. Entende-se que seria o governo, para manter o preço nas bombas.
Do jeito que está, a economia inteira vai entrar em colapso, com uma inflação muito grande. E o governo precisou agir colocando alguém de mercado, para não criar instabilidade internacional.
Essa política de preço atrelada ao dólar só beneficia acionistas da Petrobras, que ganharam US$ 100 bilhões de lucro no último ano. São os grandes capitais estrangeiros que comandam a Petrobras e estavam mantendo essa política de preços, para garantir o seu lucro.
Se o presidente da República mudasse essa política, teria de fazer um grande esforço para convencer os acionistas. Como a maioria deles é do setor privado, de estrangeiros, não tem compromisso com a nação, tem com o bolso deles. E o Bolsonaro está muito ligado a essa política.
O Adriano Pires é favorável a que se privatize a Petrobras, é mais radical que o Bolsonaro. No limite máximo, se o governo não criar um fundo de compensação e não romper com a política de atrelamento do dólar, ele sugere que se privatize a Petrobras. Com essa mudança na Petrobras, Bolsonaro aprofundou a política entreguista.
Como pode acontecer esse colapso inflacionário da economia brasileira?
A iniciativa de privatização da Petrobras mais a entrega do lucro ao livre mercado traz impacto grande no preço da gasolina. Esse aumento da gasolina acontece internamente porque exportamos petróleo e importamos gasolina. Toda a cadeia produtiva do Brasil, da economia como um todo, precisa do derivado de petróleo, diesel, gasolina ou fertilizante. Seja no transporte de insumos, na produção, no escoamento, em toda a etapa está vinculada com diesel ou gasolina. O setor produtivo vai precisar repassar para frente o custo, seja na indústria ou no comércio. Isso acontece no preço da alface, de uma cadeira, da folha de papel, de um prego. Há um efeito dominó. Quem vai pagar a conta final são os consumidores.
Temos uma inflação de custo e ao mesmo tempo vemos o Banco Central dizendo que o problema do país é a taxa de juros, que tem que ser elevada. Ele está aumentando a taxa de juros como se a inflação fosse de demanda, mas é uma inflação de custo. Aí vamos chegar à estagflação. E quem vai sofrer mais são os desempregados e quem não tem reajuste.
De que forma o conflito na Ucrânia pressiona os preços?
Pelo preço dos combustíveis estar atrelado ao dólar, ainda há essa questão da Ucrânia. Por mais que o dólar caia, o preço não vai abaixar por que está havendo um aumento da matéria-prima. A partir de maio, abril, vamos sentir mais impacto do conflito da Ucrânia. Ele é um multiplicador, mas não é a causa.
Se o brasil tivesse investido na construção de refinarias, teríamos uma certa independência, soberania, no preço da gasolina. Um conflito na Ucrânia, uma explosão em uma refinaria na Arábia Saudita vai afetar aqui. Não é ideal essa política de preços atual e não ajuda ficar mudando o presidente da Petrobras.
Diante deste cenário, os preços de que produtos devem sofrer maior inflação no mercado doméstico?
Os grãos vão sentir mais impacto de forma local porque, como são cotados no mercado internacional e os preços internacionais estão subindo, os agricultores vão querer exportar e haverá falta no mercado local, problema que se soma ao da alta dos combustíveis. E alimentos que sejam produzidos muito longe do seu mercado interno também vão sentir mais o aumento de preço. Haverá alta nos alimentos da safra atual, nas frutas da época, no milho, na soja.
O melão é uma fruta produzida no Piauí, no Ceará e no Rio Grande do Norte e vendido para São Paulo. De São Paulo, ele é revendido para o Amazonas. Como são duas viagens longas, o Amazonas vai sentir muito esse impacto.
A soja, que é exportada, vai faltar no Brasil para produção de massa, óleo. Todos os derivados vão sofrer um impacto grande porque o exportador prefere receber em dólar do que em real. E, conforme aumenta a crise de uma guerra, as pessoas vão começar a consumir e estocar alimentos na Europa, nos EUA e no Japão, os que são os países detentores de renda.
As carnes bovina, suína e de frango também terão alta, porque o insumo de proteína vegetal que esses rebanhos usam contém farelo de soja, faz parte da ração diária.
Isso significa que a inflação ainda pode piorar?
Sim, os maiores impactos ainda estão por vir. No setor industrial também haverá impacto por causa do custo. Os aumentos vão acontecer de abril, maio, para frente porque as indústrias tinham uma reserva, estoques, para segurar esse preço. Mas haverá aumento de custo da produção e do escoamento
Tomando como exemplo uma empresa que produz camiseta de algodão, ela vai sofrer, primeiramente, o impacto do aumento do preço do algodão. E, para o transporte do local de cultivo, para o de beneficiamento e o de produção, haverá um custo maior. Assim como a tinta, que terá de vir de algum lugar. E, na venda, o frete também terá de subir. Por isso a empresa vai vender mais cara a camiseta. Hoje, esta fábrica anda tem estoque de tecido. Mas, quando precisar renovar, já vão estar embutidos esses aumentos.
Como é ano eleitoral, o Governo Bolsonaro está tentando fazer com que essa inflação final não chegue. Mas, com a alta da taxa de juros, haverá cada vez menos demanda, com os investimentos e as compras estão diminuindo. Ele está querendo forçar ainda mais o desemprego, a baixa da produção, quando não é esse o problema. A demanda não somente não está aquecida como está gelada. Temos 18 milhões de pessoas com insegurança alimentar e um alto índice de desemprego. Estamos todos deixando de consumir. Eu vou com minha companheira ao mercado e levamos cada vez menos para casa. Gastamos mais para comprar menos. É um caos geral e a equipe econômica do governo Bolsonaro está sendo ineficaz, passando remédio errado, como um médico que receita paracetamol para um problema nos rins. Ele vai resolver o problema da dor, mas a doença continua está piorando.
Fonte: O Vermelho