A LUTA LGBT EM 2019 TROUXE MUITOS DESAFIOS E TAMBÉM VITÓRIAS

Por Sílvia Cavalleire, Jean Falcão e Sá, Andrey Roosewelt Chagas Lemos e Luiz Modesto.

Consequentemente negligencia vidas negras, indígenas, LGBT, em situação de rua, de povos e comunidades tradicionais, e de todas as pessoas que historicamente são discriminadas no acesso ao estado e às oportunidades, contribuindo para um grande faixa de pessoas descartáveis, a União Nacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais viu seus desafios cada vez maiores, assim como uma conjuntura que torna, mais do que importante e urgente a luta pela liberdade de ser e amar. Foi um ano marcado por instabilidades na política e na economia, a luta da população LGBT seguiu em busca da defesa da vida, da democracia, das liberdades e do país.

Um governo que começa com ataques à liberdade não tem como dar certo. No discurso que proferiu no ato de sua posse, a Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos do Governo Bolsonaro, afirmou ser “uma nova era no Brasil: menino veste azul e menina veste rosa.” A fala, que representa um ataque direto a população LGBT, principalmente às identidades de gênero trans, travestis e não-binárias, que lutam pelo respeito na sociedade e resistem contra as discriminações, as privações de direitos, as violências e os lgbtcídios, representa uma postura de combate às liberdades, contribuindo para a normalização de violências que resultam na lamentável primeira posição do Brasil, em 2018, no ranking de assassinatos de travestis e transexuais entre os países do mundo – 163 pessoas, de acordo com o levantamento da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), feito em conjunto com o Instituto Brasileiro Trans de Educação (IBTE). A ONG Transgender Europe (TGEU) classifica, ainda, o Brasil no primeiro lugar de ranking semelhante desde 2016, com 136 casos, e em 2017, registrando 171 mortes, números que podem ser maiores, devido a subnotificação de muitos casos pelas autoridades, as quais não estão capacitadas ou não estão sensibilizadas para registrar adequadamente cada vítima da transfobia. No modelo defendido por Damares ganham espaço, também, o machismo e suas derivadas masculinidades tóxicas e a visão da mulher como ser inferior, frágil, submisso e cada vez mais dependente do patriarcado e do paternalismo.

A UNALGBT nas diversas lutas do povo brasileiro

Em sua Carta de Princípios, a UNALGBT se compromete a estar presente nas diversas lutas do povo brasileiro, por meio da sua militância. Neste ano, não faltamos às mobilizações populares pela garantia de direitos da classe trabalhadora, contra a Reforma da Previdência de Bolsonaro, em defesa da Educação, da Democracia e da soberania nacional.

Enquanto o Governo Federal dedicou o primeiro ano de sua atuação a ataques, polêmicas e descompromisso com os reais problemas enfrentados pela sociedade, a população LGBT construiu vitórias. Espelho da resistência que se consolida para enfrentar retrocessos e combater o ódio. Na Câmara Municipal de Cruz Alta, no Rio Grande do Sul, o vereador Everlei Martins, filiado ao PCdoB e à UNALGBT, tomou posse no dia 03 de janeiro como primeiro presidente, de uma câmara municipal, assumidamente gay.

A UNALGBT participou da Bienal da União Nacional dos Estudantes (UNE) e do Encontro Nacional de Grêmios da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), realizados em Salvador, contribuindo para levar à Primeira Capital do Brasil, as cores e palavras de liberdade e resistência, onde debatemos a conjuntura nacional, seus desafios e perspectivas da nossa luta, bem como a importância de fortalecer a visibilidade e representatividade LGBT nos diversos espaços e setores da sociedade.

Participamos efetivamente de toda a mobilização em defesa da Educação em todo o Brasil, foram várias manifestações e passeatas convocadas pela UNE, a UBES e a ANPG, e a UNALGBT esteve presente fortalecendo essa luta, por compreender que a Educação é aliada do combate às lgbtfobias, machismos e rascismos.

Manifestamos nossa posição em defesa da vigência do edital da Universidade de Integração da Lusofonia Afro-Brasileira – UNILAB, destinado ao público de pessoas transexuais, travestis, intersexuais e não-binárias, a fim de ampliar o preenchimento de vagas por este público na instituição, o qual foi suspenso pela Reitoria, a partir de intervenção do Ministério da Educação do Governo Bolsonaro. Repudiamos a intervenção negativa do Ministério da Educação e a decisão da Reitoria Pró-Tempore da UNILAB que suspendeu o edital e providenciou a sua anulação, a entidade apoiou a ocupação do Campus Liberdade, em Redenção/CE, organizada pelos movimentos sociais do Ceará.

Durante todo o ano, a atuação em conselhos importantes, como o Conselho Nacional dos Direitos Humanos onde ocupamos uma vaga no Grupo de Trabalho que monitora a luta contra os racismos, lgbtfobias e machismos no Brasil, o Conselho Nacional de Saúde onde atuamos em comissões intersetoriais que debatem as políticas de equidade no SUS, saúde mental, ciclos de vida e patologias como IST, Aids e Hepatitites Virais, onde pudemos contribuir com a formulação do controle social sobre o SUS e principalmente as demandas da nossa população.

LGBTfobia é crime sim

Ainda este ano, acompanhamos e fortalecemos a agenda de incidência e advocacy junto ao Supremo Tribunal Federal – STF onde o dia 13 de junho passa a ser uma data histórica para o movimento LGBT brasileiro com o reconhecimento de equiparação da LGBTfobia ao crime de racismo no Brasil, com pena de até 3 anos, além de inafiançável e imprescritível. O julgamento teve início em fevereiro e foi debatido em 6 sessões do plenário do Supremo. Na penúltima, em 23 de maio, contudo, já havia se formado uma maioria a favor desse entendimento, com 6 dos 11 votos. Já a outra ação, que apontava omissão do Congresso em legislar sobre a homofobia e a transfobia, teve 10 votos a favor e apenas 1 contra. Resultado da combativa ação dos movimentos sociais, entre eles a UNALGBT.

Sou LGBT e resisto desde Stonewall: UNALGBT presente na maior Parada do Orgulho LGBT do mundo

Em 2019 completaram-se 50 anos da Batalha de Stonewall, luta que demarcou o dia 28 de junho como Dia Mundial do Orgulho LGBT. A UNALGBT esteve presente na 23ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, considerada a maior do mundo, onde distribuimos milhares de adesivos com a campanha: “Sou gay/lésbica/bi/trans/LGBT e resisto desde Stonewall”, em alusão ao tema desta edição, a entidade emplacou constante diálogo com a população presente, em meio a tantas manifestações de amor, encorajamento, empoderamento e inclusão. Resistência para celebrar meio século de luta da comunidade LGBT mundial.

Novas formas de organização

A UNALGBT vem experimentoando novas formas de organização que se mostraram exitosas, os estados do Amazonas, Amapá e Maranhão realizaram seus congressos estaduais com bastante representatividade e muita inovação. Em todo o Brasil, a militância abriu espaço para artistas LGBT que fortalecem a resistência através da cultura, desenvolvendo atividades como saraus, “rolezinhos”, e presença nas Paradas do Orgulho LGBT de vários estados, com política e consequência. Os congressos realizados até então elegeram novos núcleos municipais e estaduais, que já estão dando continuidade às pautas locais.

Em Santa Catarina, a UNALGBT cresceu exponencialmente, contando com mais de duas mil pessoas filiadas. Na Bahia, 17 municípios possuem núcleos atuantes, que enraízam a atuação da entidade pelo estado, até mesmo propondo e aprovando leis em defesa da população LGBT como o projeto de lei Téu Nascimento na cidade de Salvador, o qual pune a lgbtfobia na cidade. No Ceará, iniciou-se a promoção de debates ao vivo pela página da UNALGBT/CE, em Pernambuco, o Bloco da Diversidade dá o tom da luta contra as LGBTfobias nas ladeiras de Olinda e entre as pontes do Recife, desenvolvendo ações durante todo o ano, com foco na cultura, saúde, segurança pública, educação e direitos humanos. A UNALGBT em todo o território brasileiro é exemplo de resistência e combatividade.

Aprovação de Leis Estaduais e Municipais

A militância da UNALGBT organizada apresentou projetos de leis estaduais e municipais. Em Salvador/BA a “Lei Teu Nascimento” foi sancionada, enquanto a Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa da Bahia aprovou o Projeto de Lei Millena Passos. A “Lei Teu Nascimento”, de autoria da vereadora Aladilce Souza (PCdoB), prevê punição e sanções para estabelecimentos que discriminarem pessoas por conta de orientação sexual ou identidade de gênero e estabelece multa (que varia entre R$ 10 mil e R$ 100 mil), além da possibilidade de cassação do alvará de estabelecimentos. Já o PL Millena Passos, que pune a LGBTfobia no estado da Bahia, foi apresentado pelo deputado estadual Zó (PCdoB) e prevê punição administrativa a estabelecimentos públicos e privados, além de agentes públicos, que discriminem a população LGBT. Ambos os projetos foram iniciativa da seção baiana da União Nacional LGBT, com destaque para a homenagem à Diretora da UNALGBT Millena Passos, mulher trans que tem mais de 28 anos de atuação nos movimentos sociais.

No Amapá, a UNALGBT contribuiu, ainda, para sancionar a Lei Nº 2.375/2019, que criou o Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da População LGBT de Macapá. Para o diretor do Departamento de Promoção da Igualdade e Orientação da Diversidade Sexual (Depir) de Macapá, André Lopes, também presidente do Conselho Estadual, a criação da entidade é uma forma de consolidar as políticas inclusivas em Macapá, com espaço, respeito e igualdade.

Em Santa Catarina, a UNALGBT cumpriu importante papel na articulação junto ao Governo do Estado para garantir a proposição de Decreto que garante o nome social para pessoas travestis e trans, assegurando conteúdo próximo ao texto vetado pelo mesmo Governo.

Em Petrópolis, no Rio de Janeiro, a UNALGBT passa a ocupar uma cadeira no Conselho Municipal de Saúde, e na cidade de Chapecó, em Santa Catarina, tivemos a vereadora Carol Listone, que assumiu a cadeira por três meses sendo a primeira vereadora declaradamente LGBT nesse município.

“Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro!”

A Direção Executiva da UNALGBT, reunida em Curitiba, no mês de novembro, definiu o tema do 2º Congresso Nacional da UNALGBT: “Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”, que deverá ser realizado em Salvador, de 27 a 29 de março de 2020. O tema vem expressar a resistência do movimento LGBT em defesa das vidas da nossa população, ininterruptamente violentada e assassinada diuturnamente país afora, ao mesmo tempo em que dialoga com a sociedade civil e o poder público, a fim de dizer que vidas LGBT importam, vidas negras também importam.

Diante do cenário extremamente perturbador, com constantes ameaças de retirada de direitos das populações mais vulneráveis, aprofundamento das desigualdades, agravamento da luta de classes e intensificação da cultura do ódio na sociedade, a UNALGBT acredita plenamente na capacidade da população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, intersexos e pessoas não-binárias de resistirem, ao mesmo tempo em que reproduzem afeto, arte, humor e esperança. São tempos em que, como dizia Guimarães Rosa, “a vida quer de nós é coragem” e a coragem seguirá sendo um dos tons da bandeira empunhada por LGBTs de todo o Brasil, em defesa de igualdade, cidadania e direito de existir sem violência.

Que no ano de 2020 seja mais um ano no qual ninguém solte a mão de ninguém, e que a luta nos permita vitórias onde essas vitórias sejam como as cores do arco íris, que representam a diversidade de identidades, sonhos, liberdades, oportunidades e todos os amores.

Sílvia Cavalleire, Jean Falcão e Sá, Andrey Roosewelt Chagas Lemos e Luiz Modesto são integrantes da direção nacional da UNALGBT.

Fonte: O Vermelho