Estabeleceu-se no governo de Bolsonaro uma confusão para se saber quem ia, ou se não ia ninguém, representar o Brasil na posse de Alberto Fernandez, o recém-eleito presidente da Argentina. Isto não seria nenhum problema sério para a diplomacia tradicional e refinada do Itamarati. Mas no Itamarati, hoje, pontifica um ministro desnorteado, dos mais resolutos membros do grupo ideológico terraplanista aboletado no governo federal.
A política externa brasileira também sofre com a interferência do Bolsonaro, que subordina os interesses do Estado brasileiros aos da sua seita, aos da sua família e às suas ideias disparatadas. A origem da confusão em que se meteu o governo, nesse caso da Argentina, remonta às eleições nesse país, quando Bolsonaro resolveu interferir na campanha, como presidente do Brasil, pedindo voto para o candidato que perdeu. Dizem que seu apoio ajudou na derrota de seu candidato.
Às vésperas da vitória de Alberto Fernandez e Cristina Kirchner, Bolsonaro, da forma mais estúpida, chamou-os de “bandidos de esquerda”. Quando Fernandez e Kirchner ganharam nas urnas, não teve a dignidade de parabenizá-los. O Trump teve.
Bolsonaro nem pensou em ir à posse, em dar uma de chefe de Estado. Não. Seria esperar muito. O Ernesto Araújo, do Itamarati, também não podia ir porque já tinha desacatado publicamente o presidente eleito, da maneira mais grosseira, deseducada e antidiplomática. E também corria o risco de lá falar qualquer coisa – e aí seria um desastre. Restou o nome do Osmar Terra, ministro da Cidadania.
As coisas estavam assim, quando Rodrigo Maia resolve fazer um gesto de cortesia e vai visitar Fernandez em Buenos Aires. “Cortesia”, ainda mais ante um “bandido de esquerda”, é coisa que deixa Bolsonaro irritado. E apoplético ficou, segundo dizem, quando soube que o presidente da Câmara levou em sua comitiva deputados de esquerda, inclusive do PCdoB. Bolsonaro delibera, então, que o Brasil não vai mais enviar ninguém à posse. Deu calundu.
A Argentina passa por uma grande crise, aprofundada pelo governo de direita que saiu agora, que tinha à frente o presidente derrotado que Bolsonaro apoiou para ser reeleito. O país está com uma dívida enorme com o FMI, um desemprego gigantesco. Mas está com um governo novo, que quer se livrar do FMI e do atrelamento aos Estados Unidos.
A Argentina é o segundo país em importância política e econômica da América Latina, o terceiro em importância na balança comercial com o Brasil, é o maior comprador de nossos produtos industrializados, é nosso vizinho e é, conosco, membro do Mercosul. Militares e gente do governo acharam que não ir ninguém à posse era demais. De última hora, resolveram enviar o vice Mourão.
Em suas primeiras palavras, Fernandez falou de coisas esquecidas, até ontem, na Argentina, até agora, no Brasil: “reduzir a pobreza”, “combater a fome” “retomar o desenvolvimento”, pagar os juros da dívida de US$ 56,3 bilhões, contraída pelo governo direitista de Macri, quando o país crescer. Disse que a economia vai ser dirigida pelos ministérios da Economia e o do Desenvolvimento Produtivo, e vai “tirar o país do mundo da especulação financeira”. Falou em unir seu povo e deu sinais positivos para o Brasil.
Foi um discurso desenvolvimentista, popular, em uma linha de centro-esquerda, que governos direitistas, como o do Bolsonaro, não formulam. Na sua inocência, ou “insciência”, Bolsonaro achou que mandar o Mourão à posse de Fernandez e Kirchner, era para “não fechar as portas à Argentina”, era dar uma de bonzinho, ou seja, estava fazendo favor.
Ah, se ele soubesse que, em 2018, 26% das compras da Argentina foram feitas no Brasil e que, em 2019, esse número caiu para 21%. E que18% de tudo que a Argentina adquire já é da China socialista, que cresce cada vez mais em suas vendas graças à sua política amistosa e de investimento.
Um pouquinho mais e o Brasil não mais será o líder de vendas para a Argentina. Para o Brasil, é bom tratar bem a Argentina.
Fonte: O Vermelho