CASSAÇÃO DO REGISTRO DO PT SERÁ O GOLPE DO CORONAVÍRUS?

Foto: Lula Marques

“Enquanto o país está concentrado na guerra ao Covid-19, o Ministério Público Eleitoral tenta cassar o registro do Partido dos Trabalhadores, medida sem paralelo na história republicana desde 1947”, escreve Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia.

Por Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia –  Vamos reconhecer uma lição elementar dos conflitos humanos, válida

tanto para brigas de rua,  caçadas de animais selvagens e matadores de

aluguel.

Quem quer aplicar um ataque mortal contra um inimigo difícil de vencer

em situações normais deve aguardar por uma situação excepcionalmente favorável, na qual a vítima estará concentrada em outras preocupações,  imediatas e urgentes, e terá imensas dificuldades para  se defender e reagir. O nome dessa situação é tocaia.

É assim que se pode descrever o lance mais recente lance da perseguição do sistema de justica contra o Partido dos Trabalhadores.

Em quase duas décadas de hostilidades permanentes e ativismo seletivo,

o partido suportou o assédio frequente da Polícia Federal, do Ministério Público e da Justiça Federal, que teve seu ápice  na condenação sem provas de Lula e sua exclusão da campanha presidencia de 2018, quando era o favorito disparado em todas as pesquisas.

Em março/abril de 2020, quando o país ainda aguarda uma investigação

decente sobre as revelações do Intercept Brasil, que trouxeram um

respeitável conjunto de provas e suspeitas contra o juiz Sérgio Moro e

o procurador Deltan Dallagnol, o vice-procurador Renato Brill de Góes,

do Ministério Público Eleitoral, deu parecer favorável a um absurdo

pedido de cancelamento do registro eleitoral do Partido dos

Trabalhadores.

Dias depois, a decisão recebeu parecer favorável em instância superior.

É preciso retornar 75 anos de história, ao Brasil de 1947, para

encontrar uma decisão equivalente, pelo caráter anti-democrático e

ruinoso.

Por 3 votos a 2, o TSE cassou o registro do Partido Comunista do Brasil, legenda liderada por Luiz Carlos Prestes, que tivera um papel

destacado na Assembléia Constituinte e só iria recuperar a legalidade

em 1985, na Nova República de José Sarney.

Naquele Brasil que procurava emancipar-se da ditadura do Estado Novo,

a decisão de cassar um partido que tinha prestígio entre intelectuais

e reconhecida implantação popular, foi o passo inicial nos preparativos que, 17 anos depois levaram ao golpe de 1964.

A decisão de 1947 abriu as portas para um projeto de falsa democracia,

pela metade, que jamais poderia ficar de pé, pois lhe faltava uma

base de apoio importante, daqueles homens e mulheres dedicados a

construção de outro projeto de sociedade.

Embora os trabalhadores — comunistas, socialistas, trabalhistas —

tivessem saído do Estado Novo com a CLT para defender seus direitos, a

meia-democracia também impedia que tivessem centrais sindicais.

Oficializado e animado por um governo mantido pela lógica da Guerra

Fria, o combate anti-comunista servia de cobertura para o monitoramento e vigilância de inspiração macartista de toda sociedade.

Na década e meia atravessada até o 1 de abril de 64, o país enfrentou

um período de instabilidade grave e permanente. Numa democracia

fragilizada pela raiz, ocorria uma média de  pelo menos um levante

militar a cada três anos: a tentativa de golpe que levou Getúlio ao

suicídio; dois vetos militares a Juscelino; o veto dos ministros fardados a posse de Jango após a renúncia de Janio e, enfim, o 1 de abril.

No Brasil de 2020, quando a sociedade procura unir-se para enfrentar a

catástrofe do covid-19, capaz de gerar um número monstruoso de vítimas, a tentativa de jogar o PT na ilegalidade é uma operação de

alto risco para o país e a democracia.

Único partido brasileiro que já ocupou a presidência quatro vezes —

sempre pelo voto –, o partido é maior da Câmara de Deputados e aquele

que tem  o maior número de governadores de Estado. Sua expressão

social continua inegável, no movimento sindical e nas entidades

populares, indicando que  uma intervenção dessa natureza não irá

ocorrer a frio.

No Brasil de 2020, quando a presidência da República encontra-se sob

tutela militar, uma aberração dessa natureza atende a uma finalidade

política exclusiva: facilitar  o caminho para 2022, quando o desastre

social do bolsonarismo irá cobrar uma conta pesadíssima de quem

embarcou alegremente na caravana do capitão.

Fonte: Brasil 247