Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, André Tokarski defende a extinção da atual política de preços da Petrobras, conforme prevê o projeto de lei do deputado federal Daniel Almeida (PCdoB).
Com a nova elevação, de 18,77%, o aumento real no preço da gasolina ultrapassou 100% desde que foi instituída a Paridade de Preço Internacional (PPI) pela Petrobras, em novembro de 2016, segundo informações do mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie André Tokarski, que alerta ainda para o impacto dessas altas sobre a inflação: 4,26 pontos dos mais de 10% do IPCA acumulado em 2021 correspondem ao grupo transporte, lembra.
Tokarski, que é também autor do livro “O pêndulo do petróleo: o direito e a disputa pelo excedente econômico do pré-sal” e Secretário Nacional de Movimentos Sociais do PCdoB, estima que a gasolina poderia estar até 50% mais barata se o país deixasse de adotar a PPI como política de preços, pois enquanto o preço internacional do barril do petróleo está próximo a US$ 110, o custo doméstico de exploração é de US$ 45.
Por isso, ele defende que seja extinta a PPI, conforme prevê o Projeto de Lei Nº 3.943, de 2021, do deputado Daniel Almeida (PCdoB), que está em tramitação na Câmara e propõe a adoção de um imposto sobre a exportação de petróleo, cuja receita arrecadada comporia um fundo de estabilização dos preços.
“O petróleo brasileiro, de acordo com a nossa constituição, é um bem da União, ou seja, ele tem que ser explorado comercialmente a serviço da coletividade, a serviço do interesse público. A lei que estabelece a exploração de petróleo no Brasil define que o abastecimento de combustíveis é um serviço de utilidade pública, portanto, o petróleo não pode ser comparado com uma simples commodity, uma simples mercadoria negociada no comércio exterior”, defende, em entrevista ao Portal Vermelho.
Leia a íntegra.
Portal Vermelho: Qual é o impacto do aumento do preço dos combustíveis na inflação e no bolso do trabalhador? A primeira consideração que eu faço é que depois da adoção da Paridade de Preço Internacional, do chamado PPI, a partir de novembro de 2016 até novembro de 2021, durante cinco anos, o aumento real do preço da gasolina chegou, segundo dados oficiais da Agência Nacional do Petróleo, a 83,7%. E se nós somarmos esse último aumento anunciado ontem, de 18,77%, em pouco mais de cinco anos o reajuste médio ou o aumento do preço real da gasolina passou de 101%.
Isso tem um impacto muito profundo no bolso dos trabalhadores, isso impacta toda a coletividade porque afeta diretamente o orçamento das famílias, tanto diretamente no abastecimento do combustível quanto no aumento do custo do frete dos alimentos e na pressão também para o aumento da tarifa do transporte público, sem contar que os combustíveis como um todo e o grupo de transportes no geral passaram a ser o principal componente de impacto no IPCA, que é o índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o índice oficial medido pelo IBGE. Somente no ano de 2021, a estimativa é que 4,26 pontos dos mais de 10% da inflação acumulada no ano são referentes ao grupo de transportes – que reúne custos com transporte público, combustível e automóveis. O aumento da gasolina no ano de 2021 foi de 49%.
Então é um duplo prejuízo, tanto no custo do próprio combustível, pelo qual essa política de preços atual é a responsável, quanto no impacto da inflação. E a inflação corrói o poder de compra dos trabalhadores e trabalhadoras e impacta profundamente, portanto, no orçamento das famílias.
Portal Vermelho: Qual o efeito da elevação no preço dos combustíveis para a economia brasileira?
O efeito da elevação dos preços dos combustíveis para a economia é terrível. Ontem (quinta-feira) mesmo várias associações empresariais da construção civil anunciaram a paralização de grandes obras, porque o aumento do preço dos combustíveis e do petróleo como um todo impacta em todo o setor da construção civil, que demanda a matéria prima derivada do petróleo para esse setor. E o impacto para uma economia que já vem de cinco anos sem crescimento real é muito sentido em uma situação em que nós estamos praticamente em uma estagnação econômica, não recuperamos ainda a recessão de todo esse ciclo de governos antidemocráticos e antipopulares que envolve o governo Temer e ainda todo o período do governo Bolsonaro, agravados pela situação da pandemia. Então o impacto para a economia é muito sentido.
Portal Vermelho: Como chegamos a este ponto e qual seria a melhor alternativa à atual política de preços da Petrobras?
Nós chegamos a esse ponto desde que o Brasil anunciou as descobertas das jazidas das grandes reservas de petróleo e gás na camada do pré-sal. É importante que se frise que essa foi a principal descoberta de novas reservas petrolíferas nos últimos trinta anos no mundo. O Brasil passa a figurar entre as 10 maiores reservas de petróleo do mundo e a ser alvo de interesses de outros países, de grupos estrangeiros que cobiçam, que almejam explorar a renda petrolífera dessas grandes reservas. Então, não por acaso o Brasil, a Petrobras foi espionada pelo governo norte-americano a partir de 2012.
O cerco jurídico político desde a Lava Jato ainda não terminou, os ataques dos quais a Petrobras foi alvo. Para se ter uma ideia, o Ministério Público Federal promove uma ação civil pública contra ex-dirigentes da Petrobras durante o mandato da ex-presidente Dilma, que foram responsáveis por aplicar uma política de preços voltada aos interesses nacionais, ou seja, não aos interesses dos acionistas e dos especuladores do mercado de petróleo. O Ministério Público acusa os ex-dirigentes da Petrobras de atenderem a um clamor do governo federal à época da ex-presidente Dilma, de não reajustar os preços acompanhando os preços internacionais porque isso traria exatamente um impacto para a inflação e o ministério público acusa, portanto, os dirigentes de seguirem a orientação do governo. A Petrobras, apesar de ser uma sociedade de economia mista, tem como principal acionista, o acionista controlador, a União, o governo federal. Então, veja o absurdo a que nós chegamos: o próprio Ministério Público processar ex-dirigentes porque seguiram a orientação do acionista controlador, que é o Governo federal, a União, sobre a orientação de não repassar o preço do petróleo internacional.
É preciso que se leve em conta isso: o preço do barril do petróleo não é medido apenas pela disponibilidade de oferta do produto, é uma combinação de fatores e, especialmente, os fatores geopolíticos – poderíamos assim chamar – são determinantes. Tanto é que agora, com os conflitos que envolvem Rússia e Ucrânia, o preço do barril do petróleo sobe, tem uma disparada que não se relaciona diretamente à oferta, pelo contrário, se relaciona à decisão política da União Europeia e dos Estados Unidos de deixarem de comprar petróleo da Rússia, que é o principal exportador hoje de petróleo no mundo. Então, isso acontece nesse contexto geopolítico e, particularmente, no que diz respeito à Petrobras e a essa alternativa da política de preços, não é por acaso que essa política é adotada a partir de novembro de 2016, quando assume o governo Temer, que é fruto de um golpe que afastou a ex-presidente Dilma da Presidência da República.
Eu levanto algumas propostas de medidas emergenciais para enfrentar esse atual choque de preços. A primeira delas seria deixar de praticar a política de preços de paridade de importação. Existe um projeto de Lei em tramitação na Câmara dos Deputados, que é o PLN Nº 3943/2021, de autoria do deputado federal Daniel Almeida, do PCdoB, e a proposta é a adoção de um imposto sobre a exportação de petróleo, para que a receita arrecadada com esse imposto da exportação compusesse um fundo de estabilização dos preços. À medida que sobe o preço do barril do petróleo, você tem uma arrecadação para estabilizar esse fundo e cobrir essa diferença de custos e viabilizar o melhor preço possível. Porque é preciso que se considere isso: o petróleo brasileiro, de acordo com a nossa constituição, é um bem da União, ou seja, ele tem que ser explorado comercialmente a serviço da coletividade, a serviço do interesse público. A lei que estabelece a exploração de petróleo no Brasil define que o abastecimento de combustíveis é um serviço de utilidade pública, portanto, o petróleo não pode ser comparado com uma simples commodity, uma simples mercadoria negociada no comércio exterior.
E o projeto de lei do deputado Daniel Almeida, além de estabelecer o imposto sobre a exportação de petróleo, ele também definiria a composição de preços levando em conta os custos domésticos da produção, tendo em vista que cerca de 90% do petróleo consumido no Brasil é produzido no próprio país. E com relação aos custos domésticos, a Petrobras explora a produção de petróleo no pré-sal. Os campos do pré-sal são os campos mais produtivos do mundo, ocorre ano a ano uma redução inclusive de custos para extrair o barril de petróleo nos campos superprodutivos do pré-sal. Então, a composição de preços para o mercado interno levaria em conta os custos domésticos de produção e a manutenção de uma taxa de rentabilidade adequada às empresas que atuam no setor cobrindo essa diferença de custos também para a importação. Tendo em vista que é necessário, sim, manter um certo nível de importação, especialmente, porque o nosso parque de refino está subutilizado e nós precisamos de uma variedade, de uma composição mais ampla de petróleo, tendo em vista que o petróleo especialmente da Arábia Saudita, tipo leve, ele é necessário, pelos seus derivados, para a composição de óleos lubrificantes e outros materiais fundamentais. O nosso petróleo não é adequado para produzir esse tipo de produto. Então, segue sendo necessária uma taxa de importação de petróleo. Entretanto, a maior parte dos custos deve levar em conta os custos domésticos de produção e que mantenham uma taxa de remuneração adequada às atividades do setor.
Portal Vermelho: Em quanto poderia estar o preço da gasolina hoje, se não houvesse a PPI? Seria possível fazer uma estimativa?
Eu estimo que, com a adoção das medidas propostas pelo Projeto de Lei Nº 3.943, de 2021, do deputado Daniel Almeida, os custos no médio prazo poderiam ser reduzidos certamente de 40% a 50%, porque ao adotar os preços dos custos domésticos de produção (ou seja, ao levarmos em conta o custo de exploração do barril de petróleo nas áreas exploradas pela Petrobras e pelas empresas privadas que exploram a exploração de petróleo em áreas profundas e também no continente), esse custo hoje está próximo a US$ 45 o barril, ao ser entregue na refinaria. Enquanto o preço internacional está próximo a US$ 110. Então seria possível uma redução bastante significativa do preço dos combustíveis derivados de petróleo a partir da adoção de medidas que levem em conta o interesse público, o interesse da coletividade e garantam ainda assim uma taxa de remuneração, uma taxa de retorno para a Petrobras.
E em relação a essa taxa de retorno é importante que se diga que, segundo levantamento do professor Eduardo Costa Pinto, do Instituto de Economia da UFRJ, no ano de 2021 a Petrobras teve um desempenho financeiro muito superior às demais petroleiras internacionais. Enquanto a taxa de retorno sobre o patrimônio líquido médio das petroleiras foi de 5,4%, a Petrobras alcançou mais de 36% de taxa de retorno, mais de sete vezes superior a essas empresas. Ou seja, quem está pagando superlucros e a distribuição recorde de dividendos aos acionistas privados estrangeiros e também brasileiros é o mercado interno, pagando um sobrepreço inadequado. Há um abuso no preço do combustível, é importante que se frise isso, no mercado nacional hoje no país.
Portal Vermelho: De que forma uma possível greve dos caminhoneiros pode impactar a economia brasileira?
A greve dos caminhoneiros teria um efeito imprevisível. Nós sabemos como essas coisas começam, mas não sabemos como terminam, em uma economia, uma situação política profundamente já sensível que atravessamos hoje no país, com as ameaças à democracia reiteradas pelo governo Bolsonaro, uma greve dos caminhoneiros em uma situação econômica também já de grande fragilidade poderia ter um efeito desastroso para a economia, para o desenvolvimento, para a renda dos trabalhadores, o aumento de preços. Isso causaria um prejuízo, sem dúvida, ao país. Mas não é descartável esse cenário, já começam a acontecer, inclusive, manifestações de caminhoneiros em vários locais do país tendo em vista que eles não acompanham o aumento. Nos últimos cinco anos o crescimento do PIB acumulado no Brasil é igual a zero. Isso impacta na renda dos trabalhadores e trabalhadoras, no orçamento das famílias. Então é realmente um aumento abusivo dos combustíveis no geral e uma greve agora teria um efeito explosivo, literalmente, na economia do país e no cenário político também.
Fonte: O Vermelho