Como a pandemia esvaziou o sentimento antipolítica e o bolsonarismo

“A questão das vacinas, o descaso com a pandemia e o deboche com os mortos – tudo isso prejudicou muito o Bolsonaro”, analisa a cientista política Carolina de Paula.

Eleitores que votaram em Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2018 e se arrependeram com o governo não devem repetir a escolha em 2022. É o que aponta a pesquisa qualitativa “Bolsonarismo no Brasil”, que foi divulgada na sexta-feira (20). Conforme o estudo, Bolsonaro perdeu a maior parte de seus eleitores. Já o bolsonarismo raiz, composto por aqueles eleitores fiéis do presidente, é menor do que parece.

 O estudo foi realizado pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em parceria com o Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa. Seus resultados indicam que Bolsonaro, embora seja um candidato competitivo, terá dificuldade de se reeleger. A pandemia de Covid-19, em especial, ajudou a esvaziar o sentimento antipolíticaque alavancou o bolsonarismo.

 “Os eleitores que se arrependeram estão muito frustrados. Não há um retorno ou algo que possa ser feito para que elas votem no Bolsonaro de novo”, afirma, em entrevista à CartaCapital, a cientista política Carolina de Paula, uma das coordenadoras da pesquisa. “O que a gente percebeu a pesquisa é que a questão dos valores motivou somente uma parcela muito pequena do eleitorado do Bolsonaro – justamente aquela que tem a questão religiosa muito forte, os evangélicos.”

 Quais valores? “Na verdade, o que pessoas mais levam em conta no discurso bolsonarista é a questão da família. Este é um ponto interessante que a esquerda deve pensar para a campanha”, diz Carolina. “As pessoas têm a ideia de que a esquerda não se preocupa e não tem valores de família, enquanto Bolsonaro tem. Isso colou e entrou no imaginário – e não tem nada claro do que esses eleitores querem quanto a isso. É só o imaginário mesmo de que Bolsonaro é da família.”

 A pesquisa sugere que, na disputa entre Bolsonaro e Fernando Haddad (PT) no segundo turno de 2018, pesou momentaneamente o antipetismo. Quem votou na extrema-direita já tinha, eventualmente, votado antes na esquerda. “Não eram pessoas que odiavam o PT. São pessoas que foram muito motivadas”, explica a cientista política. “Alguns dizem que foram se decepcionando com o PT após o mensalão. O ponto de virada mesmo foi a Lava Jato, pois Bolsonaro conseguiu pegar essas pessoas que acreditam que o PT e o Lula tinham destruído o País.”

 Assim, em 2018, prevaleceu “o antipetismo, o ódio ao (ex-presidente) Lula e o sentimento antipolítica, que estava muito forte”, beneficiando Bolsonaro. Mas, de acordo com a pesquisadora, o presidente desperdiçou a oportunidade de transformar o bolsonarismo num fenômeno político “duradouro e enraizado”, que “veio para ficar”.

 Um divisor-de-águas nesse sentido foi a pandemia de Covid-19, com o desgaste sofrido por Bolsonaro ao negligenciar permanentemente o combate à crise sanitária. “A questão das vacinas, o descaso com a pandemia e o deboche com os mortos – tudo isso prejudicou muito o Bolsonaro”, analisa Carolina. Agora, diferentemente de 2018, “a pandemia traz um pouco o elemento da necessidade de voltar a acreditar na política”.

 Muitos dos “arrependidos” no voto em Bolsonaro devem optar, em 2022, por Lula, caso o ex-presidente seja candidato. “Na pesquisa, aparecem pessoas que chegaram a votar no PT antes e depois no Bolsonaro, mas logo se arrependeram. Hoje, olham com um sentimento de nostalgia para o passado”, diz. “Elas comparam o passado – que era bom, com acesso a serviços, à educação e à comida – com o presente, que tem inflação. O cenário atual é muito negativo na avaliação das pessoas e isso favorece muito o Lula.”

 

É também na economia que o governo Bolsonaro encontra dificuldades. Além da inflação em alta, os brasileiros estão às voltas com os fantasmas do desemprego, da queda da renda e do aumento da pobreza. O peso do fator econômico será decisivo na disputa presidencial, prevê Carolina. “O impacto da pandemia veio – as pessoas estão passando por essa crise e não se recuperaram ainda. O contexto de pandemia vai favorecer a questão econômica.”

 Fonte: O Vermelho