DE TRUMP A JOHNSON, OS NACIONALISTAS ESTÃO EM ALTA – APOIADOS POR OLIGARCAS BILIONÁRIOS

Créditos da foto: Bolsonaro na Casa Branca, com Trump: “Uma onda de homens poderosos e ridículos domina nações que uma vez teriam os tirado de cena a gargalhadas” (Kevin Lamarque/Reuters)

Os ultra-ricos estão se beneficiando em cima de um capitalismo de desastres, enquanto algumas instituições, suas leis e o controle democrático implodem.

Há sete anos, o impressionista Rory Bremner queixou-se de que os políticos haviam se tornado tão entediantes que poucos deles valiam a pena imitar: “Eles estão bastante parecidos e tediosos hoje em dia…é como se caráter fosse visto como um risco”. Hoje, sua profissão tem um problema contrário: não importa o quão extrema uma sátira se torna, a dificuldade é acompanhar a realidade. A esfera política, tão sem graça e sem brilho há alguns anos, agora é povoada por exibicionistas excêntricos.

“Esta tendência não se limita ao Reino Unido – os palhaços assustadores estão assumindo por toda parte”

Esta tendência não se limita ao Reino Unido – os palhaços assustadores estão assumindo por toda parte. Boris Johnson, Nigel Farage, Donald Trump, Narendra Modi, Jair Bolsonaro, Scott Morrison, Rodrigo Duterte, Matteo Salvini, Recep Tayyip Erdo%u01Fan, Viktor Orbán e uma série de outros homens absurdamente fortes – mas, muitas vezes acabam sendo fracos – dominam nações que uma vez os teriam tirado de cena a gargalhadas. A questão é: porquê? Por que os tecnocratas, que possuíam o controle sobre quase tudo, há alguns anos estão cedendo espaço a esses palhaços?

A mídia social, uma fonte de absurdos, certamente faz parte da história. Muito embora existam ótimos trabalhos que investigue os meios, surpreendentemente, pensa-se pouco sobre os fins. Por que os ultra-ricos, que até recentemente usavam seu dinheiro e jornais para promover políticos sem carisma, agora financiam esse circo? Por que o capital gostaria de ser representado por dirigentes medianos em um momento e por bobalhões no outro?

A razão, creio eu, é que a natureza do capitalismo mudou. A força dominante dos anos 90 e início dos anos 2000 – o poder corporativo – exigia um governo tecnocrático. Para isso, era necessário pessoas que pudessem simultaneamente administrar um estado competente e seguro, além de proteger os lucros da mudança democrática. Em 2012, quando Bremner apresentou sua crítica, o poder já estava mudando de mãos, mas a política não havia percebido.

As políticas que supostamente deveriam promover empresas – reduzindo os impostos para os ricos, aniquilando as seguranças públicas, destruindo os sindicatos – estimularam, ao contrário, um poderoso espiral de acumulação de riqueza patrimonial . As maiores fortunas são agora feitas, não por meio do mérito empreendedor, mas por herança, monopólio e busca por aluguéis: assegurando o controle exclusivo de bens cruciais como as propriedades privadas e as intelectuais, gerando monopólios de serviços, como exemplo, centros comerciais, plataformas de software e mídia social, cobram taxas de usuários muito mais altas do que os custos de produção e entrega. Na Rússia, as pessoas que se enriquecem dessa maneira são chamadas de oligarcas. Mas esse é um fenômeno global. Hoje, o poder corporativo é superado e transformado em poder oligárquico.

O que os oligarcas querem não é o mesmo que as antigas corporações queriam. Nas palavras do teórico favorito deles, Steve Bannon, eles buscam a “desconstrução do Estado administrativo”. O caos é o multiplicador do lucro para o capitalismo do desastre, no qual os novos bilionários prosperam. Cada ruptura é usada para acumular mais bens, dos quais nossas vidas dependem. O caos de um Brexit não entregue, e os repetidos colapsos e paralizações do governo Trump, são os tipos de desconstruções que Bannon previu. À medida que instituições, leis e o controle democrático implodem, os oligarcas ampliam sua riqueza e poder às nossas custas.

Esses palhaços assustadores também oferecem aos oligarcas outra coisa: distração e deflexão. Enquanto os cleptocratas nos extorquem, somos obrigados a procurar por algo novo. Ficamos hipnotizados com patetas que nos encorajam a canalizar a raiva que deveria ser reservada aos bilionários para imigrantes, mulheres, judeus, muçulmanos, pessoas de cor e outros inimigos imaginários, e tradicionais bodes expiatórios. Assim como foi nos anos 1930, a nova demagogia é um golpe, uma revolta contra os impactos do capital, financiados pelos capitalistas.

Os interesses dos oligarcas estão sempre em países estrangeiros: em paraísos fiscais e locais de regimes sigilosos. Paradoxalmente, esses interesses são promovidos por nacionalistas e nativistas. Os políticos que mais proclamam seu patriotismo e defende a soberania nacional são sempre os primeiros a liquidar suas nações. Não é coincidência que a maioria dos jornais que promovem a agenda nativista, incitando o ódio contra os imigrantes e vociferando sobre soberania nacional, seja de propriedade de bilionários exilados fiscais que vivem em outro país.

Assim como a vida econômica foi levada para o estrangeiro, a vida política também. As regras políticas que supostamente impedem que o dinheiro estrangeiro financie políticas internas entraram em colapso . Os principais beneficiários são os autoproclamados defensores da soberania que ascendem ao poder com a ajuda de anúncios na mídia social comprados por pessoas desconhecidas, thinktanks e lobistas que recusam revelar seus financiadores. Um artigo recente dos acadêmicos Reijer Hendrikse e Rodrigo Fernandez argumenta que as finanças offshore envolvem “a desenfreada desmantelação e comercialização da soberania do Estado” e a transferência de poder para um espaço legal, secreto e extraterritorial, para além do controle de qualquer Estado. Neste mundo offshore, eles afirmam que o “capital global financeiro e hipermóvel é efetivamente o estado”.

Os bilionários de hoje são os verdadeiros cidadãos de lugar nenhum. Eles fantasiam, como os plutocratas do terrível romance de Ayn Rand, A Revolta do Atlas ; sobre uma nova fuga. A exemplo disso temos o empreendimento de “seasteading” fundado pelo fundador do PayPal, Peter Thiel, que procurava construir ilhas artificiais no meio do oceano, cujos cidadãos poderiam encenar a fantasia libertária de fuga do estado, suas leis, regulamentações e impostos, e do trabalho organizado. Mal se passa um mês sem que um bilionário aumente a perspectiva de que deixará a Terra completamente e colonizará outros planetas.

Aqueles cuja identidade se encontra no estrangeiro procuram apenas viajar para mais longe de onde já estão. Para eles, o Estado-nação é ao mesmo tempo facilitador e oneração, fonte de riqueza e impositor de impostos, reserva de mão-de-obra barata e massa fervilhante de plebeus ingratos, de quem eles devem fugir, deixando os terríveis terráqueos para seu merecido destino.

Defender-nos da oligarquia significa não tende-la ao esquecimento. É fácil ficar ligado em discussões sobre o nível de tributação que maximiza a geração de receita. Existem infinitas discussões sobre a curva de Laffer, que pretende mostrar onde está este nível. No entanto, essas discussões ignoram algo crucial: aumentar a receita é apenas um dos propósitos do imposto. Outra está quebrando o espiral de acumulação patrimonial.

Romper com esse espiral é uma necessidade democrática, caso contrário os oligarcas, como vimos, passam a dominar a vida nacional e internacional. O espiral não para sozinho: somente a ação do governo pode fazê-lo. Esta é uma das razões pelas quais, durante a década de 1940, a taxa máxima de imposto de renda nos EUA subiu para 94% e no Reino Unido para 98%. Uma sociedade justa requer correções periódicas nessa escala. Entretanto, hoje em dia os impostos mais íngremes seriam mais bem direcionados para a riqueza acumulada não adquirida.

É claro que o mundo offshore que os bilionários criaram torna essas políticas ousadas extremamente difíceis: afinal, essa é uma de suas finalidades. Mas pelo menos sabemos qual deve ser o objetivo e podemos começar a ver a dimensão do desafio. Para lutar contra algo, primeiro precisamos não o tender.

Fonte: Carta Maior/ The Guardian