Dilma: ‘eu achei que existia uma democracia estável no Brasil’

Foto/ ROBERTO STUCKERT FILHO-PR

Para a ex-presidente, será preciso mobilização social para reconstruir as instituições e políticas públicas: “se não tiver essa movimentação, esse aumento da consciência e esse potencial de organização, não tem uma mudança estável”

Para a ex-presidente Dilma Rousseff, o Brasil terá de passar por um longo processo de “reconstrução”, das instituições e de políticas sociais, mas isso exigirá organização popular, “gente na rua”. Durante quase três horas, ela participou neste sábado (3) do programa Prerrô na TVT, conduzido pelo grupo jurídico Prerrogativas. “Eu achei que existia uma democracia estável no Brasil. Estava inteiramente equivocada. E não foi só eu. A maioria dos meus contemporâneos, se tiver autocrítica, vai ver que equivocou-se”, afirmou à banca de entrevistadores.

“Jamais supusemos que o grau de fragilidade da democracia brasileira era esse que permitisse uma liderança nacional do tipo Bolsonaro”, acrescentou Dilma. “Se não tiver essa movimentação, esse aumento da consciência e esse potencial de organização, não tem uma mudança estável”.

Golpe e misoginia

Ao lembrar das circunstâncias que levaram ao seu impeachment, em 2016, a ex-presidenta disse que não foi destituída por ser mulher. “O golpe foi dado contra mim porque eu representava uma determinada proposta política”, afirmou, acrescentando que essa proposta derrotou a chamada “agenda neoliberal” por quatro eleições seguidas.

A misoginia entrou no que Dilma chamou de “linguística do golpe”, que na narrativa usou o fato de ela ser mulher para criar um clima propício a aceitação de sua saída do poder. Ela cita como exemplo manchetes dos jornais Folha de S.Paulo e O Globo, meses antes. “Eu sempre ‘acusava’. O meu adversário ‘observava’. Tem uma diferença de valoração, um é negativo, outro é positivo. Eu era uma pessoa que tinha sempre de ser a ‘agressiva’, e o meu adversário era uma pessoa muito calma e gentil, por mais agressivo e, vamos dizer, misógino que ele fosse”, comparou.

Assim, nessa retórica, ela seria uma mulher “dura, frágil, obsessiva por trabalho” e o homem, “firme, sensível e trabalhador”. “Eu acho que a misoginia é eminentemente um arma contra a mulher no poder. Qualquer que seja poder, pode ser micro ou macro”, observou.

Dilma manifestou-se ao lockdown imediato, combinado com apoio financeiro do Estado. “Sabemos que há uma impossibilidade de ir pra rua protestar, senão era isso que a gente tinha que estar fazendo. Tem que interromper tudo que não é alimentação e saúde. E por um prazo significativo para que a gente possa, primeiro, reduzir ao máximo a contaminação, e vamos olhando até onde nós termos que ir.”

Auxílio emergencial

Ao mesmo tempo, é preciso dar condições para que as pessoas não saiam, se aglomerando, por exemplo, no transporte coletivo. “Nós temos que salvar é a vida das pessoas que vão ficar em casa. Então, tem que dar uma renda emergencial de no mínimo 600 reais, e para o maior número de pessoas necessitadas. (…) Tem que garantir que as pessoas não vão trabalhar, e aí tem que pagar”, defendeu Dilma. “Além disso, tem que dar cobertura para micro, pequeno e médio empresário. Este país tem recurso pra isso”, acrescentou.

Toda a crise volta a mostrar a importância do papel do Estado, disse ainda a ex-presidenta. Ela citou o ex-ministro Henrique Mandetta, que quando deputado fazia uma “crítica sistemática” ao SUS e passou a defender o sistema ao ser demitido do governo. Para isso, insistiu, é preciso mobilização social.

“Neste caminho de esperança, nós temos que contar com a força da organização popular para chegar a reconstruir as instituições, para reconstituir políticas sociais, reconstituir políticas de desenvolvimento científico e tecnológico”, afirmou Dilma. Ela lembrou que, além das frequentes tentativas de “corroer” o SUS, recentemente o governo retirou, no orçamento, recursos do programa Farmácia Popular, que atende, inclusive, comorbidades relacionadas à covid-19.

Fonte: Brasil 247