Indicação de livro de ficção para caluniar a Guerrilha do Araguaia ao Prêmio Jabuti é um contrassenso.
Não deixa de ser surpreendente a presença do livro-farsa de Hugo Stdart Borboletas e Lobisomens, escrito somente para caluniar a Guerrilha do Araguaia e seu organizador, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), na lista de finalistas do Prêmio Jabuti de 2019, na categoria “Biografia, Documentário e Reportagem”. A premiação neste ano tem sido marcada pela controvérsia. Notícias dão conta de que uma mudança drástica no regulamento dividiu a opinião de profissionais do livro e acabou em bate-boca.
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O Jabuti é o mais tradicional prêmio literário do Brasil, concedido pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), criado em 1959 pelo escritor Edgard Cavalheiro. Não é possível saber até onde foram as mudanças deste ano, mas, no caso do livro de Studart, faltou rigor literário para se chegar a essa indicação. O livro ganhou certa publicidade exatamente por ter sido desmascarado. Suas mentiras cabeludas foram expostas em detalhes.
Pego em situações inexplicáveis, o autor optou por mobilizar um séquito de figurões moralmente subqualificados da mídia para defendê-lo. As palavras mentirosas surgiram das bocas e mãos de gente como — entre tantos outros — Alexandre Garcia (ex-Globo e ditadura militar), José Nêumanne Pinto (O Estado de S. Paulo), José Roberto Guzzo (revista Veja) e Augusto Nunes (Rádio Jovem Pan). Eles se esforçaram para tentar salvar a obra farsesca de Studart, mas o que saiu foi a velha semântica anticomunista, esvaziada por frases retorcidas e intelectualmente indigentes.
Pastel de vento
Vazio igual, só o daqueles pastéis do conto da velhinha na feira. “Pastéis de camarão!”, dizia ela. O comprador se aproxima, pega um, paga. Na hora de comer, diz: “Mas, minha senhora, não achei camarão nenhum!” Ela responde: “O senhor sabe como é, uns gostam, outros não gostam, uns podem, outros não, por isso não ponho.” O séquito de Studart se daria bem vendendo esse tipo de pastéis. É o que eles fizeram ao falar dessa obra infame. Com isso, apenas realçaram a literatura paupérrima de Studart.
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Ele tentou escrever um livro que impressionasse pela brutalidade dos detalhes, pelas cenas de vulgaridades que beiram a lascívia e chegam à fronteira do mau gosto. Seu séquito teve uma reação contrária à dos cinco discípulos mais fiéis de Emile Zola, que lançaram um manifesto de repúdio ao seu livro La Terre (A Terra), no qual se diziam escandalizados. “Supomo-nos, ao lê-lo, diante de um tratado de escatologia: o mestre desceu ao fundo do poço da imundície.” Anatole France também se pronunciou: “Escrevendo A Terra, o senhor Emile Zola nos deu as geórgicas da crápula.” “Jamais um homem fez tamanho esforço para aviltar a humanidade”, completou.
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Na verdade, a obscenidade alegada na obra de Emile Zola pode ser vista na produção do séquito de Studart. Não pela lascívia, mas pela libertinagem política e ideológica. Eles são mestres na arte de burlar os fatos para roubar a cena. Recentemente, por exemplo, Alexandre Garcia disse que “foi só parar de roubar” que a Petrobras atingiu recorde na produção de petróleo e gás. É uma afirmação que se ajusta perfeitamente ao estilo do livro de Studart e às manifestações do seu séquito.
Ríspida discussão
Aliás, esse jornalista, que foi porta-voz do ditador João Baptista Figueiredo e homem de confiança do Grupo Globo, tem um histórico de truculência. Um caso bem típico, de agosto de 1980, está reconstituído, com base em relatos da época, no calor dos acontecimentos, na biografia do ex-deputado comunista Aurélio Peres, quano a polícia reprimiu com brutalidade representantes do Movimento Contra a Carestia que tentavam entregar um abaixo-assinado no Palácio do Planalto. A ação foi incitada por Alexandre Garcia, então porta-voz do governo. Tudo começou quando um segurança da Aeronáutica tentou, na força bruta, dispersar os manifestantes e intimidar jornalistas.
Escolheu, para sua primeira investida, uma jovem repórter do jornal Correio Braziliense. Tomou-lhe as anotações e fez ameaças. A jornalista protestou junto a Alexandre Garcia que, sorrindo com ironia, lhe pediu calma. O segurança da Aeronáutica disse, em tom de provocação e de maneira sarcástica, ao porta-voz de Figueiredo: “Alexandre, eu não devolvo os papéis, se você quiser.” O jornalista do Planalto reagiu com mais ironias antes de autorizar a devolução das anotações à jornalista.
Ao se dirigir a uma manifestante do Movimento Contra a Carestia que pedia água, Alexandre Garcia disse: “O problema é da senhora.” O porta-voz de Figueiredo também provocou o repórter do jornal Movimento Antônio Carlos Queiroz, dizendo que ele apoiava a “causa” dos manifestantes, o que resultou numa ríspida discussão. Cenas dramáticas ocorreram, com senhoras — algumas com crianças no colo — chorando convulsivamente.
Padre Vieira
A violência aumentou quando os manifestantes se puseram a cantar o Hino Nacional Brasileiro. Um dos manifestantes, já dentro do ônibus, pôs a cabeça para fora, cantando com o braço esquerdo erguido e a mão fechada, o que levou Alexandre Garcia a provocar: “Assim é outro hino que você deve cantar, a Internacional.”
O comportamento grosseiro do jornalista da ditadura foi denunciado por Aurélio Peres e outros parlamentares. O jornalista do Planalto passou o tempo todo fazendo provocações. Em seu livro Nos bastidores da notícia, publicado em 1990, Alexandre Garcia usou em sua versão dos fatos o mesmo tom belicoso, provocativo e fantasioso para descrever a cena. Segundo ele, “à frente dos manifestantes estavam mulheres com crianças” e “a guarda, com baionetas, recolheu-se para não ferir ninguém”.
Pode-se, nesse vazio de inteligência, lembrar as palavras do Padre Vieira, no “Sermão da Sexagésima”. “As razões não hão de ser enxertadas, hão de ser nascidas. O pregar não é recitar. As razões próprias nascem do entendimento, as alheias vão pegadas à memória, e os homens não se convencem pela memória, senão pelo entendimento. (…) O que sai da boca, para nos ouvidos, o que nasce do juízo, penetra e convence o entendimento.”
Fonte: O outro lado da notícia