Passada a ressaca desta eleição a esquerda deve analisar com atenção a conjuntura atual, pois este rearranjo das forças políticas do país traz desafios novos.
Três fatos novos desta eleição: Esquerda e extrema direita perderam espaço significativo; pesquisas eleitorais não são exatamente confiáveis e, quem mais avançou, foi o centro e centro-direita.
A esquerda, compreendendo aí PT (183), PCdoB (46), PDT (314) e PSB (253) diminuiu o número de prefeitos e vereadores eleitos. Nas capitais, PSOL (1), PDT (02) PSB (02) elegeram prefeitos, enquanto PT e PCdoB não elegeram nenhum prefeito.
A extrema direita, calcada no fundamentalismo religioso também perdeu espaço. Dos 18 candidatos a prefeito declaradamente apoiados por Bolsonaro só cinco se elegeram, quatro em capitais do Norte e Nordeste. Seu candidato na cidade de São Paulo sequer chegou ao segundo turno. Mesmo com toda a influência do cristofascismo e milícias no Rio de Janeiro não foi possível reeleger Crivella.
Ponto para a esquerda do Rio. A mesma esquerda que, fragmentada em três candidaturas, sequer chegou ao segundo turno, mas sabiamente soube apoiar Eduardo Paes. Não, Eduardo Paes não é o candidato dos sonhos, mas foi a forma de barrar o candidato do fascismo. Certamente Paes terá, desta vez, motivos concretos para tentar fazer um governo ao menos razoável, e quem lhe deu apoio, motivos fortes para fiscalizar este governo.
O PSL, mesmo fazendo 90 prefeituras, não conquistou nenhum município grande. Suas vitórias acontecem justamente em regiões onde a influência da direita nazifascista é mais ostensiva.
Se esquerda e extrema direita perdem, alguém ganha! Aquele grande e heterogêneo grupo hoje chamado de Centrão. O mesmo grupo que apoiou Lula, garantiu a queda de Dilma, sustentou Temer e hoje impede que Bolsonaro seja responsabilizado por todos os desmandos, omissões e crimes.
Antes este grupo era conhecido como Baixo Clero. Aquele grupo do “é dando que se recebe”, do desvio de verba da merenda escolar, da troca de votos por cargos e outros delitos no varejo. Bolsonaro é egresso do baixo-clero, assim como Eduardo Cunha e Severino Cavalcanti. Existem diferentes nuances neste grupo, diferentes formas de atuação e de barganha, mas o certo é que até agora os governos contemplam este grupo ou não governam. Lula negociou, Dilma, quando quis enquadrar Eduardo Cunha e outros mais ostensivamente corruptos perdeu a presidência. Mesmo assim este grupo havia perdido parte de seu poder e influência. Bolsonaro, ameaçado por diversos processos de impedimento, envolvido em inúmeros escândalos e péssimo gestor soube negociar suas garantias por cargos e benesses. E cargos onde o dinheiro circula muito. Este crescimento teve como um dos resultados um crescimento eleitoral semelhante ao desempenho nas décadas de 80/90, quando a esquerda inicia seu crescimento no parlamento e nos cargos executivos. A esquerda cresceu ocupando o espaço do centrão, que agora cresce ocupando os espaços deixados por ela.
Estes resultados terão impacto a curto prazo. O apoio a Bolsonaro passa a ser mais caro, dado o crescimento da importância política deste grupo e o desgaste das forças ostensivamente bolsonaristas. O baixo clero, ou centrão, como eles preferem ser chamados, não tem coesão ideológica. Centra sua atuação na satisfação de necessidades para a manutenção na esfera pública. Emendas, para atender sua base; cargos, para distribuir entre seus operadores e daí obter vantagens. A manutenção de uma moralidade mascarada de modernidade, para não entrar em embates a que eles não saberiam responder. A eles interessa não chamar muita atenção, não são dados a falas e ações que possam gerar confrontos. Não são exatamente fundamentalistas, ao estilo dos que almejam o Estado teocrático, apesar dos muitos ligados à teologia da prosperidade. Mas não chegam ao extremismo de um Crivela, nem alardeia a moral conservadora de uma Damares.
Este desempenho traz também o risco concreto de vitória, em 2022, de um candidato oriundo daí. Não, não Dória, pois o PSDB não tem exatamente este perfil. Mais provável um Rodrigo Maia com um vice criado pela mídia, ao estilo Luciano Huck. Não exatamente estes nomes, mas algo parecido. O surgimento de uma candidatura nestes moldes ameaça tanto a Bolsonaro que o discurso palaciano, mais uma vez, ignora a realidade e prefere comemorar as derrotas da esquerda ao invés de admitir sua própria derrota.
A esquerda teve desempenho notável em duas cidades governadas pelo PSDB: São Paulo e Porto Alegre. Injusto dizer que as duas candidaturas, de Boulos e Manuela, foram derrotas. A desigualdade de condições na disputa, a máquina publica na mão dos oponentes, as nefastas fake news lançadas aos milhões e circulando nas redes tem uma grande parcela da responsabilidade. O desgaste causado por anos de exposição midiática e o poder econômico também contribuem.
Importante considerar a descrença da população nas novidades salvadoras, dos perfis “não políticos”. O povo rejeitou sim a fórmula bolsonarista, de discurso duro, de denúncias moralistas, e infelizmente apostou em fórmulas que já conhecia. Mas, se desprezou o fascismo, também desconsiderou a esquerda.
Passada a ressaca desta eleição a esquerda deve analisar com atenção a conjuntura atual, pois este rearranjo das forças políticas do país traz desafios novos. Se as formas de lutar tem que ser reinventadas, o adversário é velho conhecido. Já foi vencido antes, pode ser novamente.
Por fim, é correto acreditar que esta eleição trouxe, para a esquerda, um valioso aprendizado: Sem unidade não haverá chances de vitória. Uma aparente derrota pode produzir novos ensinamentos, pode fortalecer, produzir novos e mais eficazes processos. Para avançar é preciso reformular. E agora é o momento, é a hora! Hora de deixar os velhos ranços hegemonistas, os purismos, hora de reconhecer protagonismos e métodos não tradicionais. Refeito o ânimo, descartados os entraves, é hora de uma frente ampla para combater de vez o fascismo que só arrefeceu, mas segue vivo e irascível. Este é o inimigo.
Fonte: O Vermelho