Esbórnia praticada por Bolsonaro na distribuição de cargos e emendas aos parlamentares em benefício de Lira conspurcou a eleição da Câmara.
Arthur Lira, ao apresentar sua candidatura à Presidência da Câmara, demonstrou suas limitações políticas para o grave momento vivido pelo país, seja pela tragédia pandêmica ou pela catástrofe econômica produzida por Guedes e Bolsonaro. Restringiu-se a defender uma “Câmara não submissa”, mas não em relação ao Planalto.
Segundo ele, os deputados federais não podem se submeter ao presidente da Casa e sustentou a necessidade de “devolver o poder ao seu único e legítimo dono, o plenário da Câmara dos Deputados”, como se não existissem regras regimentais e constitucionais que definem com muita precisão os poderes daquela presidência legislativa.
A tergiversação não foi gratuita. O debate principal ao longo das semanas que antecederam a contenda foi focado na importância de fortalecer a independência da Câmara dos Deputados e não permitir sua subjugação a outro poder, no caso, o Executivo.
A esbórnia praticada por Bolsonaro na distribuição de cargos e emendas aos parlamentares em benefício de Lira conspurcou a eleição da Câmara dos Deputados, tirou a sua legitimidade, aviltou sua autonomia e deixou rastros de indignidade que ainda deverão ser devidamente apurados, no momento certo.
À exceção de Lira, todos os demais candidatos denunciaram a grave e infame intromissão de Bolsonaro nos destinos do legislativo. O candidato de Bolsonaro fez a opção de falar, exclusivamente, para os deputados, açulando neles aqueles interesses mais primários e comezinhos da ação parlamentar: decisão colegiada, valorização dos líderes, respeito à proporcionalidade, entre outros chavões bem conhecidos de todos e cuja efetivação já está respaldada pelo regimento interno da Casa, tendo como suporte maior a Constituição Federal.
Nenhuma mensagem do deputado do PP à Nação ou ao povo brasileiro angustiado pelo recrudescimento da pandemia, a demora das vacinas, o fim do auxílio emergencial, a falta de empregos e do trabalho informal, a carestia galopante. Limitou-se a pedir um minuto de silêncio às vítimas do coronavírus, já depois de empossado.
Não, esses angustiantes dilemas nacionais parecem preocupar pouco ou nada o novo presidente da Câmara dos Deputados, até porque, em qualquer direção que se olhe, está a impressão digital de Bolsonaro, seu principal apoiador, embora reconheça-se que Lira não é exatamente um bolsonarista de carteirinha.
Sem as promessas assumidas nos porões do Planalto seria impossível a vitória de Lira, um deputado nitidamente despreparado para a missão de presidir a principal casa de leis do país diante dos imensos desafios que se colocam frente à tragédia bolsonarista. Segundo ele, “o presidente da Câmara não deve falar, mas ouvir” e não pode “ter posições pessoais”, numa clara revelação do rebaixamento a que submeterá o terceiro cargo mais importante na sucessão presidencial.
Lira, para não dizer que não falou de flores, fez a defesa formal da “Câmara independente”, mas, acentuou, “e harmônica”, pois “o Brasil não aguenta mais brigas”.
“Harmônica” com quem, cara pálida? Faltou completar a frase, mas, para bom entendedor, meia palavra basta. “Harmônica” com a postura genocida de Bolsonaro que despreza a vida dos brasileiros?, ou com a política destrutiva de Guedes que nega o emprego e, até, o alimento a outros milhões?
O que permitiu a frustração golpista contra a democracia e a mitigação da crise econômica e social nesses últimos dois anos, sendo quase um em plena pandemia, foi notadamente a frente ampla que se constituiu na Câmara dos Deputados e na sociedade na defesa da saúde pública, do auxílio emergencial, da educação básica, do emprego e da renda, da cultura nacional, entre outras medidas.
Foi essa agenda que não permitiu que o país ingressasse em 2021 ainda mais arrasado. De outro lado, foi precisamente a desarmonia entre a Câmara e o Poder Executivo que ensejou alguma harmonia social, ainda que insuficiente em face do desastre promovido pelo bolsonarismo na pandemia e na economia.
A candidatura de Baleia Rossi, do MDB, representava, pela confluência das forças políticas que o apoiavam e pelos compromissos assumidos na formação da frente ampla e democrática, a possibilidade de dar continuidade a essa agenda no momento em que o país mais precisa, em que a economia está mais fragilizada e o povo mais indefeso e vulnerável.
A “harmonia” a que Lira se referia não é com a sociedade e seus candentes reclamos, mas, sim, com o Planalto que garantiu sua eleição com o uso despudorado das práticas mais antirrepublicanas que, como já denunciamos, Bolsonaro denunciou no passado, cinicamente, como a “velha política”, apresentando-se como “novo”.
A eleição de Lira demonstrou que Bolsonaro nunca renunciou à “velha política” que sempre criticou, promovendo, agora, a prática das “rachadinhas”, cultivadas em seu trajetória medíocre e apagada de parlamentar – e herdadas de pai para filho, como bem denunciou Ciro Gomes, à uma escala muito maior, cujas consequências, nesse caso, passam a agredir interesses superiores da nação.
Quanto às “brigas” que o País não suporta mais, desse assunto quem se tornou especialista desde o dia em que assumiu a Presidência da República foi precisamente o seu cabo eleitoral número um, Jair Bolsonaro, que produziu uma enciclopédia de afrontas, ataques e ofensas – uma verdadeira coleção de vitupérios à imprensa, à oposição, a ex-aliados, enfim, a todos que se colocaram e se colocam em seu caminho obtuso.
Faltou alguém dizer ao Lira que o país não “suporta” mais o desprezo à vida, a falta de emprego e renda e as ameaças aos direitos mais essenciais.
Baleia Rossi
O candidato da frente democrática, Baleia Rossi, iniciou seu pronunciamento fazendo uma contundente denúncia das “ameaças e coações” promovidas pelo Planalto em favor de seu oponente, deixando claro que a discussão da Presidência da Câmara deveria estar diretamente relacionada ao “Brasil que queremos nos próximos anos”.
Depois de agradecer aos partidos políticos e seus respectivos deputados que o apoiaram, bem como aos diversos segmentos da sociedade, com os artistas, Baleia questionou: “Por quê uma Câmara dos Deputados independente assusta tanto?” – um recado ao desespero bolsonarista que jogou todas suas fichas na eleição de Lira.
O parlamentar valorizou “as diferenças” entre os que o apoiaram para sentenciar: “não podemos abrir mão da democracia, não podemos abrir mão das nossas instituições”, fazendo, na sequência, a denúncia do bolsonarista pego em flagrante ao depredar seu material de campanha.
Baleia destacou o papel de Rodrigo Maia na condução da Câmara dos Deputados e fez uma referência à PEC do orçamento de guerra, que impediu que os municípios sucumbissem diante da crise sanitária, ao novo Fundeb, que salvou a educação básica e ao auxílio emergencial de R$ 600.
Em resposta a Lira, que pregou a participação de todos deputados nos rumos da Câmara, Baleia desnudou o discurso do adversário: “Fala-se muito em dar voz aos deputados, mas quando tem a distribuição (pelo Executivo) do orçamento, vê-se que os deputados não são tratados igualmente”, pois enquanto alguns recebem dezenas de milhões de reais, outros “buscam de pires na mão os recursos para seus municípios”.
E concluiu, recorrendo à memória de Ulysses Guimarães: “A Câmara dos Deputados não pode se ajoelhar”, conclamando à defesa da independência do Poder Legislativo.
Fonte: O Vermelho