Trabalhadores se dizem humilhados: “Estamos comendo peixe do mar porque não temos dinheiro pra comprar outra coisa”.
Com 25 anos de trabalho no mar, o pescador Tobias Soares da Silva, do município cearense de Icapuí, ainda não tinha visto nada igual ao vazamento de óleo que hoje se alastra no Nordeste brasileiro. Em meio ao avanço do problema, que teve início no final de agosto e atualmente alcança 233 localidades em 88 municípios, a substância chegou à costa de Icapuí há apenas cinco dias, mas já é motivo de desespero entre moradores e trabalhadores da região.
O desastre banhou de óleo e dor as 16 praias locais, que agora registram manchas de até 300 metros de extensão com concentração do produto.
“Nunca nós ouvimos ou vimos coisa semelhante a uma tragédia tão grande como essa. Nunca ouvimos nem sequer falar. Teve barco aqui que ficou atolado no óleo e nem conseguiu passar”, relata Silva.
Como resultado da pulverização do produto no litoral, as vendas de lagosta e peixe caíram cerca de 70% nos últimos dias. Voltada à cadeia de turismo do Rio Grane do Norte, estado vizinho, a produção local era de cerca de 2,5 toneladas diárias, mas agora não passa da marca dos 700 kg. Cerca de 520 pescadores estão diretamente prejudicados.
“Quando acaba a procura, o preço do pescado vai lá pra baixo, aí não compensa pescar. As famílias deixam de ganhar o seu sustento, e aí o clima fica muito triste. E nós estamos desamparados aqui pelo Estado. As famílias todas estão desamparadas porque não sabem o que fazer nem de onde vão tirar o sustento a partir de agora”, lamenta Silva.
O drama dos pescadores de Icapuí é o mesmo que aperta o coração de Givaldo Batista dos Santos, da localidade de Sítio do Conde (BA), nas proximidades da divisa com Sergipe. O óleo invadiu a costa da região há mais de um mês, provocando queda de 100% na produção de caranguejo, peixe e camarão, que chegava a 2 toneladas na semana.
“Antes, a gente vendia tudo, mas agora os clientes não querem comprar, assim como não querem sequer pisar na areia da praia. As pessoas estão com medo e nós estamos em estado de calamidade. A situação é precária”, conta o pescador, que atua no ramo há 12 anos.
Santos afirma que o desastre provocou também um movimento de aluguel dos espaços das peixarias, que agora perderam o sentido em meio à queda do comércio de mariscos.
“Quando eu chego na praia, nas vilas de pescador, a vontade é de chorar, com as marisqueiras reclamando de um lado e os pescadores do outro. E você chora porque ninguém tem de onde tirar o pão pra comer. Estamos comendo o peixe do mar porque não temos dinheiro pra comprar outra coisa. Eu me sinto humilhado, desgraçado”, desabafa Santos, acrescentando que ainda não recebeu ajuda governamental.
“Já era pra ter chegado pelo menos uma cesta básica aqui pra esse povo, mas, até agora, nada. Estamos vivendo de conversa”, reclama.
Governo
Presidente da República em exercício, Davi Alcolumbre (DEM) anunciou, nesta quinta (24), a edição de decreto que prevê a extensão do seguro-defeso a pescadores do Nordeste por um período de mais dois meses este ano. O texto ainda não foi publicado pelo democrata, que visitou nesta data os estados de Alagoas e Sergipe para acompanhar a situação do litoral após o vazamento.
Projetos de Lei
A tragédia relacionada ao vazamento provocou a apresentação, na Câmara dos Deputados, de uma proposta que garante a concessão temporária de seguro-desemprego para pescadores artesanais em situações de dano ambiental, como é o caso do drama que atinge o Nordeste.
De iniciativa da bancada do PCdoB, o texto fixa o valor em um salário mínimo ao mês, com tempo de duração a ser regulamentado após a eventual aprovação da medida, que tramita desde quarta-feira (23) como Projeto de Lei (PL) 5626/2019.
A proposta altera a Lei nº 10.779/2003, que dispõe sobre a concessão de seguros para pescadores, para considerar as tragédias ambientais como excepcionalidades.
“É preciso que a gente dê a eles a condição de ter uma sobrevivência que não se afete tão fortemente por conta da paralisação das atividades de trabalho deles. Então, é uma coisa pontual, episódica”, explica o deputado Márcio Jerry (PCdoB-MA).
Opositor da gestão Bolsonaro, ele aponta que o PL seria também uma via para tentar obrigar o Poder Executivo a amparar de forma mais efetiva os trabalhadores da pesca artesanal diante do caso.
“Ele visa corrigir algo que tem a ver com a negligência do governo federal, que não se interessou concretamente com a repercussão [dos danos] no meio ambiente e tampouco se preocupou com a repercussão na vida dos pescadores do Nordeste”, critica.
Um dos vice-líderes da bancada do PCdoB na Câmara, Jerry afirma que o próximo passo do grupo é uma articulação junto à mesa diretora da Casa para tentar dar ao PL um regime de tramitação de urgência. O movimento tem sido conduzido pelo líder da bancada, Daniel Almeida (BA).
Uma iniciativa semelhante partiu na bancada do PT, que protocolou, nesta quinta (24), o PL 5689/2019 para criar um novo seguro-defeso de caráter excepcional e voltado a pescadores do Nordeste. A proposta, também no valor de um salário mínimo, destina-se especificamente à concessão do benefício para trabalhadores atingidos pelo vazamento de óleo.
Fonte: Brasil de Fato