Após o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, propor “um novo AI-5”, o ministro da Economia, Paulo Guedes, também saiu em defesa de medidas autoritárias. Se Eduardo falou em “resposta” caso “a esquerda radicalizasse”, Guedes citou discursos do ex-presidente Lula. “Não se assustem então se alguém pedir o AI-5”, disse o ministro, em Washington (EUA). Autoridades como o governador Flávio Dino (PCdoB-MA) reagiram.
Guedes procurou manipular a agenda de Lula e da esquerda – que tão-somente estimulam a presença do povo em manifestações pacíficas de rua. Para bajular seu chefe, o ministro partidarizou o discurso, na tentativa de criminalizar as inevitáveis reações massivas a um governo cada vez mais rejeitado. “Quando o outro lado ganha, com dez meses você já chama todo mundo pra quebrar a rua? Que responsabilidade é essa?”, dissimulou Guedes.
Segundo ele, o projeto de lei do excludente de ilicitude seria uma resposta de Bolsonaro ao discurso de Lula. É como se a defesa da “licença para matar” não fosse uma pauta bolsonarista histórica, ao gosto da extrema-direita. “Para entender o que significa a nova moda de mencionar o “AI 5” a todo momento, sugiro o livro Brasil Nunca Mais, coordenado pelo cardeal Dom Paulo Evaristo Arns e outros líderes religiosos”, rebateu Flávio Dino. “E lembro que a Alemanha até hoje não admite a propaganda do nazismo. Um bom exemplo”, agregou o governador comunista.
Conhecido como “golpe dentro do golpe”, o Ato Institucional Nº 5 (AI-5) foi a mais dura medida instituída pela ditadura militar, em 1968, ao revogar direitos fundamentais e delegar superpoderes ao general à frente da Presidência da República. Com isso, ditadores como Costa e Silva, Garrastazu Médici e Ernesto Geisel estavam autorizados a cassar mandatos de parlamentares, intervir em municípios e estados, além de esvaziar garantias constitucionais como o direito a habeas corpus e suspensão de direitos civis.
Neste mês, ao deixar a prisão, Lula convocou a juventude a ir às ruas e seguir o exemplo do Chile e da Bolívia. Na última sexta-feira, na abertura do Congresso do PT, o ex-presidente declarou que “um pouco de radicalismo faz bem à alma”. A mensagem de Lula assustou o governo, e Paulo Guedes passou recibo.
“Chamar povo para rua é de uma irresponsabilidade”, choramingou o ministro, que, em seguida, não escondeu o pendor autoritário do governo Bolsonaro. “Aí o filho do presidente fala em AI-5, aí todo mundo assusta, fala ‘o que que é?’. Aí bate mais no outro. É isso o jogo? É isso o que a gente quer? Eu acho uma insanidade chamar o povo pra rua pra fazer bagunça”, disse Guedes, que escancarou seu repúdio a manifestações tão típicas de uma democracia.
Depois de mais de 1h30 de coletiva de imprensa, ao perceber que sua entrevista repercutiria mal na opinião pública, Guedes tentou recuar e pediu que o conteúdo criminoso de suas declarações fossem mantido “off the records” – prática jornalística na qual uma fonte pede que a informação não seja divulgada pelos repórteres. Mas a entrevista havia sido convocada por sua assessoria e estava na agenda oficial de Guedes antes mesmo de ele embarcar para os EUA. Ele também foi avisado que as agências de notícia e emissoras de televisão faziam transmissões em tempo real.
Assim, ele desistiu da encenação e abriu o jogo: “Não se assustem então se alguém pedir o AI5. Já não aconteceu uma vez? Ou foi diferente? Levando o povo pra rua pra quebrar tudo. Isso é estúpido, é burro, não está à altura da nossa tradição democrática”.
O ministro foi questionado se acredita ser concebível, em qualquer circunstância, ter a adoção de uma medida como o AI-5. Guedes simulou uma voz empostada e falou, em tom de chacota: “A democracia brasileira jamais admitiria, mesmo que a esquerda pegue as armas, invada tudo, quebre e derrube à força o Palácio do Planalto, jamais apoiaria o AI-5. Isso é inconcebível. Não aceitaria jamais isso. Está satisfeita?”.
Ele foi questionado, então, por uma jornalista: “Isso é uma ironia, ministro? O senhor está nos ironizando?”, disse ela. Com a simulação da mesma voz, ele afirmou: “Isso é uma ironia, ministro? O senhor está nos ironizando? De forma alguma”.
Fonte: O Vermelho