O Brasil tem a pior política de drogas do mundo, de acordo com o Índice Global de Políticas de Drogas. Recém divulgado, o relatório internacional, realizado pela Harm Reduction Consortium, um consórcio de redução de danos formado por entidades de pesquisa, levou em consideração a forma como 30 países lidam com temas como o combate repressivo às drogas, sistema criminal de justiça, redução de danos e acesso a medicamentos. Dos 100 pontos possíveis, o Brasil atingiu apenas 26, ficando na última colocação.
O índice é limitado à política voltada apenas para as drogas ilícitas e observa se ela se alinha aos objetivos das Nações Unidas com relação a garantia de direitos humanos e saúde pública. Trata-se de um ranking internacional, mas que corrobora com alerta de especialistas brasileiros que apontam a política proibicionista brasileira como causadora de mais danos do que benefícios sociais. O que o antropólogo e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) Maurício Fiore observa ao jornalista Glauco Faria, da Rádio Brasil Atual, como “mais uma evidência e forma de medir o fracasso do Brasil” com a “política de guerra às drogas”.
O Brasil foi avaliado inclusive ao lado de nações mais pobres, como a Uganda, que têm um dos menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDHs). E foi comparado também com países que têm a pena de morte na legislação para o tráfico de drogas, caso da Indonésia. Ainda assim, foi um destaque mais negativo principalmente por conta de assassinatos extrajudiciais, registrados também no México, mas que no Brasil foram considerados um problema “endêmico”. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que, em 2020, o número de mortes em intervenções policiais no Brasil chegou a 6.416, com a maioria das vítimas jovens, negras e periféricas.
Viciados’ em encarcerar
Fiore destaca também que a baixa pontuação do Brasil reflete uma legislação proibicionista, que encarcera pessoas do mesmo perfil das vítimas da letalidade policial. Em uma curva ascendente, o número de presos por delitos ligados às drogas passou de 9%, em 2005, para 29%, de acordo com o FBSP.
“Há uma espécie de industrialização da pena do tráfico de drogas no país. A polícia é seletiva sobre quem será preso e apreendido. Normalmente é a polícia ostensiva, a Militar, que faz isso e não a polícia investigativa, que é a Civil. Uma vez presa, essa pessoa já fica detida em regime temporário. E depois é denunciada pelo Ministério Público e , em seguida, condenada pela Justiça numa espécie de linha de montagem do encarceramento no país”, analisa o pesquisador do Cebrap.
“Ou seja, é uma engrenagem que sequer faz cócegas no tráfico de drogas. Ele continua funcionando normalmente porque essas pessoas são substituídas. E, em compensação, nós vamos passando de 150 para 200 mil pessoas presas no país por conta do tráfico. O sistema judicial brasileiro e o sistema policial punitivo, desde o início da prisão até a condenação, estão ‘viciados’ nesse encarceramento que não produz nada de positivo, inclusive para os outros aspectos da questão, que também estão no índice, como os riscos que o uso de drogas acarreta na saúde pública”, completa, fazendo uma advertência.
Políticas equivocadas e a desigualdade
De forma geral, a conclusão do ranking foi a de que “a dominância global de políticas de drogas baseadas em repressão e punição levou a uma pontuação baixa em geral”. Mas o relatório aponta para uma relação entre as políticas de drogas que acabam sendo mais avançadas com países onde a desigualdade é menor.
A Noruega, o país mais bem avaliado, somou 74 pontos. É seguida pela Nova Zelândia, com 71, Portugal (70), Reino Unido (69) e Austrália (65). As razões por trás disso, segundo Fiore, estariam na forma como a comercialização ilegal de substâncias psicoativas acontecem nessas nações. “O tráfico de drogas em si não carrega intrinsecamente a violência, não é como o crime de roubo em que necessariamente há uma ameaça. Em um país menos violento, ele acaba acontecendo de uma forma que envolve muito menos agressões, gente armada e confronto, inclusive com a polícia.”
“É sem dúvida muito pior em um país como o Brasil. Temos que olhar as consequências nefastas dessa política em um país desigual e violento. Essa é a triste realidade que esse índice mostra”, pontua.
Fonte: Brasil 247