SÉRGIO MORO E A FRENTE AMPLA DOS COMUNISTAS PELA FEB

O ministro faz demagogia, por pertencer ao campo ideológico oposto ao que mobilizou os chamados “pracinhas” para combater o nazifascismo na Europa.

A ampla repercussão da publicação pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, de uma referência à Força Expedicionária Brasileira (FEB) no Twitter é uma oportunidade para se saber mais sobre esse importante acontecimento. O ex-juiz arbitrário da Operação Lava Jato disse que “a história da FEB é infelizmente insuficientemente valorizada no Brasil”. “Isso é algo que tem que mudar. Não podemos esquecer o esforço brasileiro contra o nazi-fascismo e os sacrifícios dos combatentes. Por favor, mais livros e filmes sobre isso, no mínimo”, escreveu ele.

Há muitos filmes e livros que abordam o tema – inclusive as biografias dos históricos dirigentes do Partido Comunista do Brasil Pedro Pomar e Maurício Grabois. Moro faz demagogia, está claro, por pertencer ao campo ideológico oposto ao que mobilizou os chamados “pracinhas” para combater o nazifascismo na Europa. Na ocasião, no começo da década de 1940, o governo do presidente Getúlio Vargas pendia para o lado dos Aliados contra o nazifascismo, mas havia em seu interior um setor contrário à marcha da redemocratização do Brasil.

Ideais democráticos

Quem promovia manifestações pela entrada do Brasil na guerra contra o nazifascismo era o Partido Comunista do Brasil – à época com a sigla PCB –, a primeira organização política a levantar a bandeira da FEB. “Fomos os primeiros a reivindicar a participação militar do Brasil e o fizemos de maneira consequente”, disse João Amazonas, histórico dirigente comunista brasileiro.

O documento Cinquenta anos de luta, escrito por ele e Maurício Grabois sobre os 50 anos de atividades do Partido Comunista do Brasil, diz que os comunistas definiram essa linha de atuação da II Conferência – a Conferência da Mantiqueira –, realizada em 1943, e desenvolveram importante atividade pelo esforço de guerra, mobilizando as massas para reclamar a participação mais ativa do Brasil no confronto mundial.

O ano de 1943 havia consolidado o revés da Alemanha nazista na frente oriental, onde o Exército Vermelho avançava celeremente rumo a Berlim. Seria um desastre para o Brasil perder a oportunidade de mostrar ao mundo que estava ao lado dos ideais democráticos, avaliou o PCB.

No começo de 1944, as forças nazistas já eram uma vela gasta, com a chama trêmula, mas os pressupostos da “Nova Ordem” de Hitler precisavam ser esmagados por forças enfeixadas em uma aliança mundial a favor da civilização. Para o PCB, a entrada do Brasil na guerra seria uma demonstração dessa opção, uma condição essencial para abrir caminho à democracia e erguer barreiras contra os defensores brasileiros dos ideais do regime alemão em ruínas.

Nova Ordem

Um artigo de Maurício Grabois na revista Continental de fevereiro de 1944 expôs esse ponto de vista com ênfase. Para ele, ter uma mentalidade de guerra significava abandonar toda despreocupação, todo descaso pela guerra que o Brasil deveria realizar. Significava colocar a vida em pé de guerra e agir totalmente em função dela. Significava mobilização permanente para a execução de todas as tarefas com precisão matemática, reorganizando todas as atividades do país para a conquista da vitória.

Mas, para concretizar aquele conjunto de necessidades, todos os patriotas deveriam atuar como um só homem, observando atentamente o que era fundamental, o que constituía o objetivo final, em torno do qual seriam levantados as demais questões, as reivindicações especiais e os problemas secundários necessários à vitória da política de guerra brasileira e de todos os povos contra o imperialismo germano-fascista.

Para Maurício Grabois, o enterro da hedionda e grotesca “Nova Ordem” nazista, que pretendia, em sua primeira fase, exterminar os judeus da Europa, eliminar ou escravizar os povos eslavos e varrer do mapa grandes cidades do Leste como Leningrado, Moscou e Varsóvia, precisava da ajuda dos cérebros e braços brasileiros. O lugar do Brasil era ao lado dos Estados Unidos, da Inglaterra, da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), da China e de todos os povos amantes da paz, por meio do completo esmagamento do nazismo.

Estava fora de discussão que o ponto vital para o inimigo comum era o território do próprio Reich, que deveria ser apertado entre duas frentes antes que se refizesse dos pesados desgastes que vinha sofrendo na frente oriental. Ou seja: a FEB deveria desembarcar na Europa urgentemente. Todo o trabalho dos comunistas nas fábricas, nas escolas, nos jornais e nas organizações patrióticas deveria ser concentrado no ponto básico do plano de ação: a participação militar do Brasil na segunda frente.

Aliado do Norte

Segundo Maurício Grabois, havia no Brasil uma discussão abstrata sobre a democracia, o pós-guerra, o muniquismo — a “Nova Ordem” de Hitler —, o imperialismo e outros problemas. Eles de fato existiam, mas enquanto se discutia isso tudo milhões de soldados soviéticos, ingleses, norte-americanos, chineses e de outros povos lutavam ativamente para esmagar a fera nazista, esperando também a participação militar dos brasileiros.

Os problemas do Brasil não podiam ser debatidos desligados da guerra patriótica na qual o país estava empenhado, avaliou. Segundo Maurício Grabois, os reticentes com o rigor da arquitetura da união nacional para defender a democracia deveriam observar como outros povos da América estavam se organizando para enfrentar a guerra.

Citou o caso de Cuba, onde o presidente Fulgêncio Batista (que seria um odiado ditador, derrubado pela Revolução liderada por Fidel Castro) mobilizara os meios ao seu alcance na ajuda às Nações Unidas. Outro exemplo vinha do grande aliado do Norte, os Estados Unidos, onde o maior líder da região, o presidente Franklin Delano Roosevelt, libertara o dirigente comunista Earl Browder e criara as melhores condições para enfrentar os isolacionistas.

Maurício Grabois concluiu: “Nas vésperas da partida de nossa Força Expedicionária, devemos fazer um exame do que temos feito na luta contra o nazismo, lembrando-nos que precisamos desenvolver o nosso espírito unitário e que a união nacional é um movimento de pacificação.”

Papel decisivo

Pelo que escreveu Maurício Grabois em novo artigo na edição de maio de 1944 da Continental, o governo brasileiro ainda titubeava sobre o envio da FEB para a Europa. Segundo ele, observando a evolução dos acontecimentos políticos no país, não era difícil concluir que o Brasil caminhava, cada vez mais firme e decididamente, ao lado das Nações Unidas.

O povo brasileiro, embora ainda não totalmente mobilizado, começava a compreender o papel decisivo que teria a desempenhar no curso dos acontecimentos. Havia uma grave ameaça pairando sobre o país naquele momento decisivo. Os líderes do povo, as organizações patrióticas, de classe e de todos os setores da população nacional deveriam compreender que o êxito na guerra seria uma baliza para o futuro do Brasil.

Em caso contrário, a capacidade de luta do povo poderia ser mal encaminhada pelos mistificadores e oportunistas, que proliferavam com facilidade naqueles tempos. Maurício Grabois recorreu ao termo “quinta-coluna”, usado para se referir a grupos que trabalhavam dentro de um país ou região a favor dos nazistas, para qualificar a gravidade daquela ameaça.

Escombros do Estado Novo

As críticas foram dirigidas a grupos “esquerdistas”. Não restava dúvida, escreveu, de que a falta de discernimento sobre a situação brasileira por parte de setores que poderiam contribuir bastante na luta unificada contra o hitlerismo favorecia e preparava o ambiente para a confusão lançada pela quinta-coluna.

Voltou a insistir que as questões levantadas em forma de agitação, sem a observação das possibilidades de êxito, constituíam verdadeiras provocações políticas, levando à desagregação nacional e à perda do objetivo de liquidar o inimigo no mais curto prazo. “Não devemos surpreender-nos, pois, ao ver a quinta-coluna levantar uma série de questões, desde o ‘combate ao imperialismo’ até uma ‘democratização’, com o intuito único de desviar e dividir as forças interessadas na derrota do fascismo alemão”, escreveu.

Maurício Grabois estava falando de problemas que ardiam sob os primeiros escombros do Estado Novo. “No caso da pacificação da família brasileira pela qual nos batemos, que inclui a anistia, por considerá-la uma medida que virá fortalecer o governo, criando uma forte corrente de opinião popular a seu favor, sabemos que ela só poderá ser conquistada no desenvolvimento do processo de unificação das forças nacionais, pela criação de um clima unitário e de confiança recíproca”, escreveu.

Segundo ele, existiam grandes campanhas pelas liberdades individuais, seguidas dos pedidos de anistia política, que não levavam em conta as reminiscências das desconfianças do passado. Elas só desapareceriam, como de fato estavam desaparecendo, no curso de uma cooperação franca e leal para o aniquilamento do inimigo.

Problemas capitais

Havia um denominador comum que deveria aglutinar todos os democratas e antifascistas: a cooperação honesta, decidida e franca entre governados e governantes para a consecução de objetivos comuns. A agitação (e não havia outro termo para classificar aquela atitude) resultava da “impaciência” e precipitação, quando não da intolerância, dos que queriam resolver os problemas do país em guerra sem considerar o valor da mobilização do povo e da importância da liderança do governo na união nacional para a vitória e a paz.

Eram reivindicações desligadas dos problemas capitais daquele momento, como se o Brasil não estivesse às vésperas do envio da FEB para ajudar no esmagamento da fera hitlerista. Segundo Maurício Grabois, aquela atitude seria por certo levada ao golpismo, a soluções apressadas, que queriam resolver tudo de uma só vez, sem passar pelas etapas sucessivas e necessárias da evolução política, o que seria um verdadeiro crime contra a pátria e a melhor maneira de servir ao inimigo.

Apareciam também “conhecidos políticos” que, falando sobre o pós-guerra na imprensa, se referiam ao socialismo como única solução para os problemas que se seguiriam à vitória, sem levar em conta as características históricas nacionais e o grau de desenvolvimento de cada país.

O caminho da união nacional, portanto, teria de ser desbravado nesse mar de contradições. Ela não seria resultante de decretos ou coisas parecidas, mas da mobilização de todo o país, jamais perdendo de vista que o aniquilamento do inimigo nazifascista criaria as condições para, na paz, o Brasil ingressar em uma era de desenvolvimento e progresso.

Corrente política

A FEB foi criada em 28 de novembro de 1943. A abertura da segunda frente da guerra aconteceu em 6 de junho de 1944, com o desembarque das tropas aliadas na Normandia. Pouco mais de um mês depois, em 17 de julho, o primeiro escalão da FEB desembarcou em Nápoles, Itália. Era uma vitória importantíssima para o PCB, que mobilizou forças e organizou grandes ações em favor desse objetivo — muitos comunistas alistaram-se na FEB.

No começo da década de 1940, os comunistas aceleraram o ritmo da mobilização popular para encurralar o Estado Novo, mas não se mostravam como corrente política organizada. O PCB ainda era alvo dos fascistas do governo. O ministro da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra – que seria eleito presidente da República em 1945 –, não estava nem um pouco indiferente diante da barreira que se erguia para isolar o seu grupo.

Em 12 de janeiro de 1943, ele escreveu uma carta a Getúlio Vargas reclamando das críticas do presidente da Sociedade Amigos da América, general Manuel Rabelo, ao Ministério da Guerra por sua obsessão anticomunista.

Enviada em caráter “pessoal e secreta”, a carta queixava-se do tom ácido empregado por Rabelo em um discurso na cidade de São Paulo referindo-se ao “perigo comunista” como “espantalho e duende imaginários que serviam para distrair as atenções e deixar o povo desprevenido contra o inimigo real”.

Não era a primeira vez que os dois se estranhavam. Em 1942, o ministro da Guerra havia atacado Rabelo, também em carta a Vargas, dizendo que ele estava “sempre cercado, em seus discursos e visitas, por elementos suspeitos de comunismo”.

Em junho de 1943, quando Manuel Rabelo foi a Salvador organizar a seção local da Sociedade Amigos da América, o jornalista Jacob Gorender fez uma entrevista com ele para a revista Seiva, do PCB local, publicada depois de aprovada pelo general, com críticas à indiferença do governo diante da vulnerabilidade do país depois de declarada a guerra. A entrevista resultou na prisão do repórter e dos demais integrantes da revista.

Rabelo escreveu a Vargas que “a obstinada e doentia preocupação do ministro da Guerra em enxergar por toda parte o perigo comunista” era uma paranoia. “Ninguém mais sente a iminência desse perigo, sobretudo depois que a Rússia se aliou às Nações Unidas na luta contra os totalitários e principalmente depois da extinção do Comintern (a Internacional Comunista) e da adesão à Carta do Atlântico”, escreveu Rabelo, lembrando que o Brasil participava dessas alianças.

Segunda frente

O PCB abrira duas frentes de trabalho — reforçou a União Nacional dos Estudantes (UNE) e relançou a Liga da Defesa Nacional, entidade fundada em 1916 no Rio de Janeiro pelos intelectuais Olavo Bilac, Pedro Lessa e Miguel Calmon, sob a presidência de Rui Barbosa. Quando a UNE tomou o clube alemão Germânia, no Rio de Janeiro, em agosto de 1942, que viria a ser a sua sede, os comunistas estavam na linha de frente.

Essa atuação ganhou forma na Conferência da Mantiqueira. Ao avaliar aquela decisão algum tempo depois, o PCB disse que fora traçada uma linha política justa no fundamental, caracterizando a guerra, de modo preciso, como “guerra de libertação dos povos nacionalmente oprimidos pelo fascismo”, “guerra de preservação da liberdade dos povos contra a ameaça de dominação fascista”, “guerra de todos os povos pelo esmagamento do fascismo, sob o exemplo da União Soviética dirigida por Stálin”.

A orientação, segundo o PCB, indicava o caminho de todo apoio à URSS e às Nações Unidas, à abertura da segunda frente de batalha no conflito mundial, à participação direta do Brasil no teatro da guerra com o envio da FEB. Indicou, ao mesmo tempo, a perspectiva próxima da conquista da legalidade para os comunistas e a necessidade de lutar pela anistia aos presos políticos, entre eles Luiz Carlos Prestes.

Golpes salvadores

Em meados de 1945, o PCB estava completamente inserido no contexto político do país. Tanto que quando o comandante da FEB, general Mascarenhas de Morais, preparava-se para desembarcar no Rio de Janeiro, em 11 de julho de 1945, Maurício Grabois estava na sala de espera do Aeroporto Santos Dumont, ao lado de outros dirigentes comunistas.

Às dezesseis horas e trinta minutos, os alto-falantes do Aeroporto informaram que a chuva e a neblina tinham impedido o pouso — o general desembarcaria na base da Força Aérea Brasileira (FAB) no bairro de Santa Cruz, zona oeste da cidade. O mau tempo também atrapalhou a grandiosa manifestação preparada para receber o chefe da FEB.

Os comunistas viam com satisfação as medidas adotadas pelo governo após o envio da FEB à Europa, como o estabelecimento de relações diplomáticas com a URSS, a decretação da anistia e a promulgação da Lei Eleitoral.

Segundo Maurício Grabois, o PCB manteve-se, como sempre, em sua posição de força independente e soube dar ao povo uma orientação justa e segura, contribuindo para a formação de um clima de paz para que as liberdades democráticas fossem aprofundadas.

“Diante dos ‘golpes salvadores’, por que muitos se batiam, o Partido Comunista do Brasil lutou, como ainda hoje luta, pela tranquilidade, pela paz interna, colocando-se, como sempre, ao lado dos legítimos anseios do nosso povo. Vimos, depois, como a democracia deu, entre nós, passos sensíveis para o seu fortalecimento. Hoje, na verdade, a situação é bem outra. Estamos vivendo num clima de liberdade de fato, queiram ou não queiram os inimigos do Brasil. O povo já está se manifestando livremente e a consolidação das liberdades democráticas dependerá apenas da férrea unidade de todo o povo”, asseverou.

Cultura nacional

Ele pronunciou essas palavras em meio a uma gigantesca campanha de massas pela Assembleia Nacional Constituinte, organizada pelo PCB no segundo semestre de 1945. A Constituição foi promulgada em 18 de setembro de 1946, data da tomada de Camaiori, a primeira vitória da FEB na Segunda Guerra Mundial dois anos antes, a pedido da “Associação dos ex-combatentes”.

Já na década de 1950, quando o registro eleitoral e os mandatos comunistas já haviam sido cassados, Maurício Grabois escreveu no jornal Imprensa Popular um artigo intitulado O partido do Brasil, dizendo que o PCB representava o que havia “de mais nobre e humano na vida do povo brasileiro”.

“Orgulhamo-nos da cultura nacional, da cultura de Frei Caneca, Castro Alves e Euclides da Cunha, da cultura que tem profundas raízes no povo brasileiro. Pugnamos por uma cultura a serviço do povo, que o ajude a se livrar da fome e da exploração, que contribua para derrotar os cruéis inimigos do progresso e da felicidade de nossa Pátria. (…) Temos orgulho de Tiradentes, das lutas dos escravos negros, dos cabanos, dos balaios, da revolução praieira, dos abolicionistas, dos lutadores que instauraram a República, da revolta dos marinheiros da esquadra em 1910, da insurreição nacional libertadora de 1935, da ação heroica da FEB e de todos os heróis e mártires da luta libertadora do nosso povo”, resumiu.

Fonte: O Vermelho