A economista Patrícia Costa, do Dieese, revela que a reajustes salariais não repõem inflação, fazendo o trabalhador perder poder de compra. Em maio de 2021, o comprometimento do salário era de 54,84%.
O trabalhador remunerado pelo salário mínimo comprometeu em média, em maio de 2022, 59,39% do rendimento para adquirir os produtos da cesta, básica, considerando o desconto da Previdência Social. Este percentual alto é afetado pela inflação crescente e pelas perdas nas negociações coletivas, segundo a economista do Dieese, Patrícia Costa, explicou em entrevista ao Portal Vermelho.
Em maio de 2022, o tempo médio necessário para adquirir os produtos da cesta básica foi de 120 horas e 52 minutos. Em maio de 2021, a jornada necessária ficou em 111 horas e 37 minutos. Quando se compara o custo da cesta e o salário mínimo, verifica-se que em maio de 2021, quando o salário mínimo era de R$ 1.100,00, o percentual ficou em 54,84%, contra os 59,39% de agora, quando o piso é de R$ 1.212,00.
O grande problema de toda essa inflação, na análise de Patrícia, é que, em contrapartida, os salários não crescem. Os dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) ja começam a mostrar um aumento da população trabalhadora ganhando em torno de apenas um salário mínimo.
Maioria dos reajustes salariais fica abaixo da inflação, diz Dieese
Essa dinâmica salarial afeta muito a capacidade de compra dos brasileiros. Todas as categorias de trabalhadores, durante o ano de 2021, fizeram negociações salariais com reajustes abaixo da inflação, apesar do espraiamento desse índice, por conta do preço do petróleo e da energia elétrica.
“As negociações não conseguiram sequer repor a inflação. Grande parte das categorias tiveram reajuste abaixo da inflação, ou seja, efetivamente elas tinham perda do poder de compra. Então é um empobrecimento cada vez maior, porque nem a inflação que se tem, o trabalhador consegue repor no seu salário, um ano depois”.
Outra constatação do Dieese, é que o salário mínimo deveria ser mais de cinco vezes maior. Essa estimativa é feita com base na cesta mais cara, que, em maio, foi a de São Paulo, e levando em consideração a determinação constitucional que estabelece que o salário mínimo deve ser suficiente para suprir as despesas de um trabalhador e da família dele com alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, higiene, transporte, lazer e previdência.
Em maio de 2022, o salário mínimo necessário para a manutenção de uma família de quatro pessoas deveria equivaler a R$ 6.535,40, ou 5,39 vezes o mínimo de R$ 1.212,00. Em maio de 2021, o valor do mínimo necessário deveria ter sido de R$ 5.351,11, ou 4,86 vezes o valor vigente na época, de R$ 1.100,00.
A ilusão do tomate
O tomate protagonizou, mais uma vez, a variação na inflação da cesta básica causando uma falsa sensação de arrefecimento da inflação. Apesar da maioria dos alimentos ter sofrido aumento, o excesso de oferta e queda no preço da fruta foi tão significativo, no último período, que impactou os preços no país inteiro. Com isso, infelizmente, a tendência é a inflação continuar crescendo, enquanto o governo nada faz para arrefecê-la.
Foi o que a “Apesar do tomate baratear, os demais produtos seguem com tendência de alta”, diz ela. A pesquisa registrou alta importante no leite, na manteiga, no feijão, no pão francês, na farinha de trigo, no leite integral, na farinha de mandioca e no cafe em pó, por exemplo.
Leia o relatório do Dieese com os dados da cesta básica, aqui
Estamos em período de safra de inverno do tomate e, com isso, a oferta aumentou, depois dos períodos de calor ocorridos em maio, que fez com que a fruta maturasse mais cedo, elevando a oferta em todas as regiões do país.
Patrícia observa que o que se registra entre abril e maio, é uma tendência preocupante de alta de todos os produtos da cesta, em vez da queda pontual do tomate. “Isso dá uma falsa sensação de que alguma política vem sendo feita no sentido de minorar a questão do preço dos alimentos. Mas não, nada tem sido feito”, alerta a economista.
Custo da cesta básica aumenta nas 17 capitais pesquisadas pelo Dieese
O governo tem aumentado drasticamente a taxa de juros básicos, todo mês, sob o argumento de atacar a inflação. Mas como dizem os sindicalistas, isto apenas dificulta o crédito e deprime a economia, o emprego e a renda. A economista do Dieese concorda com esse ponto de vista. “A política de aumento de juros não ataca a inflação no seu centro, não resolve o problema, só joga a economia brasileira numa recessão maior, fazendo com que os empregos gerados sejam informais, precários e de baixo rendimento”, resumiu.
Ações governamentais
Há medidas imediatas que poderiam contribuir para atingir a inflação de alimentos, em cheio. Segundo ela, o Dieese acredita que, para que esse quadro se reverta, sejam necessárias políticas de investimento em agricultura familiar, na qualidade dos alimentos ofertados, e a importância da volta da Conab (os estoques de grãos que contribuíam para equilibrar a oferta de alimentos e foram desmontados no início do governo Bolsonaro).
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Além disso, contribuiria algum tipo de ação no sentido da redução da taxa de câmbio, porque só a taxa de juros não consegue reduzir o custo da moeda. Patrícia se refere ao valor do real em relação ao dólar, que favorece a tendência do agronegócio continuar plantando apenas soja e exportando a preços competitivos e altamente lucrativos.
“O mais importante de tudo é a gente entender que o Brasil tem as armas necessárias para combater essa inflação, se tiver uma política bem direcionada de mudar a orientação da Petrobras, de estimular a agricultura familiar, refazer o protagonismo da Conab e fazer uma melhor gestão da energia elétrica”, garantiu ela.
Em 2020, Patrícia explica que a inflação estava muito concentrada nos alimentos, “e o governo não deu bola nenhuma”. Para piorar, Bolsonaro ainda atribuiu a inflação de 2020 ao auxílio emergencial, “quando a gente sabe que a alta de preços tem a ver com o volume de alimentos exportados”.
Em 2021, a inflação começou a aumentar por conta também da alta dos combustíveis e da energia elétrica. “Então, quando você tem custos de produção com aumento de preços, essa inflação começa a se espraiar e contaminar todos os bens e serviços da economia”.
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Assim, o Brasil chega a 2022 com esse problema agravado. “Apesar disso, o governo também minimiza dizendo, de uma forma mentirosa, que o Brasil tem uma das menores inflações do mundo e dizendo que, agora tudo bem. Se o mundo tem inflação, o Brasil também tem”, criticou.
Fonte: O Vermelho