Economista Diogo Santos, da UFMG, aponta, ainda, que país deve gastar dinheiro com o que é mais importante: o desenvolvimento e o combate à desigualdade socioeconômica.
Com uma taxa de juros de 10,5% ao ano — 6,79% em termos reais, a segunda maior do mundo —, o Brasil segue sendo um paraíso para o mercado financeiro. E esse jogo não poderia ser mais rentável sem o valioso auxílio do Banco Central “autônomo”, sob o comando do bolsonarista Roberto Campos Neto.
Nos últimos 12 meses, a dívida pública cresceu 13%, chegando a R$ 8,522 trilhões em junho. Somente em 2023, o governo federal pagou R$ 816,2 bilhões em juros aos credores da dívida pública.
Não à toa, sobram malabarismos retóricos por parte dos representantes do rentismo, tidos como “argumentos técnicos”, para justificar os juros altos e atrelá-lo ao tamanho da dívida. No final das contas, o fato é que a Selic elevada serve mesmo é para gerar lucros exorbitantes para o setor financeiro, em prejuízo da população e do desenvolvimento do Brasil.
“Afirmar que a dívida pública brasileira é alta e por isso a taxa de juros é alta, é uma escolha política e ideológica, é escolher qual fragmento da realidade interessa e descartar os demais”, diz, ao Portal Vermelho, o economista Diogo Santos, doutorando pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Leia também: Comércio segue aquecido com crescimento pelo 5º mês seguido, diz IBGE
E esse fragmento escolhido, claro, não é aquele que dá conta da realidade do povo e das necessidades do país. Talvez por isso, 66% dos brasileiros concordam com as críticas do presidente Lula à política de juros do Banco Central, contra 23% que discordam, segundo recente pesquisa Quaest. Trata-se do grosso da população vocalizando o peso que sente no seu bolso com a Selic nesse patamar.
Do lado oposto, estão as grandes empresas que gerem a riqueza financeira do país. “Esse setor inclui desde as aposentadorias dos planos complementares de previdência até os agentes estritamente financeiros — que lucram com a facilidade de se emprestar para o governo em troca de uma remuneração totalmente segura e altamente rentável”, explica Santos.
Atualmente, cerca de 85% do estoque de títulos públicos federais está sob controle de instituições financeiras (30%), de previdência (23%), fundos de investimento (23%) e de não residentes (10%).
É importante destacar, segundo Santos, que a taxa de juros “é uma variável econômica essencialmente redistribuidora de renda: sempre que ela sobe, os agentes financeiros que emprestam para as empresas, para as pessoas e para o governo terão sua renda aumentada. É da natureza da taxa de juros”.
Porém, argumenta, “o mais importante é o fato de que o Banco Central tem um poder imenso que é o de estabelecer qual é a taxa de juros básica da economia. Isso significa que a manutenção de uma Selic muito elevada, como agora, decorre de o BC endossar e reforçar o poder de pressão que o mercado financeiro possui no país e o utiliza para constranger a política monetária e fiscal a seu favor”.
Leia também: Inflação desacelera e tem menor alta para primeiro semestre desde 2020
Ele classifica como “falácia” o argumento que costuma ser usado por “especialistas em economia” segundo o qual a atual política fiscal irá pressionar a inflação e, por isso, a taxa de juros não pode cair mais.
“Basta verificar como a inflação tem vindo muito abaixo das previsões das empresas financeiras. Portanto, o BC erra em engrossar o coro do mercado financeiro de que a política fiscal atual é um risco para o controle da inflação e erra ao valorizar demasiadamente as previsões sobre a inflação das empresas financeiras captadas pelo Boletim Focus. Quem está fazendo política monetária no Brasil atualmente são cerca de 170 empresas financeiras ouvidas pelo BC e não o próprio BC”, defende.
Dívida como instrumento de coação
Outro ponto importante no debate atual, usado para criar desgastes ao governo, diz respeito aos supostos riscos que o atual patamar da dívida pública brasileira poderia trazer à credibilidade do país, o que afastaria investidores.
“O nível da dívida pública brasileira, em cerca de 77% do PIB atualmente, não é grave. Em geral, o principal argumento usado pelo mercado financeiro para reforçar sua coação sobre o governo e manter a taxa de juros elevada é que a dívida pública brasileira é mais alta do que a de países semelhantes. Mas, somente essa afirmação não é suficiente para se entender o caso brasileiro”, argumenta Diogo Santos.
Em primeiro lugar, pondera, “o Brasil tem uma economia grande na comparação com os demais países subdesenvolvidos; com isso, naturalmente se desenvolve uma dívida pública maior, porque ela é parte da riqueza privada do país”.
O segundo ponto, diz, é que “o mercado financeiro brasileiro é maior e mais liberalizado do que a maioria dos países de mesmo nível de renda, o que exige um mercado de dívida pública também maior, pois a dívida pública é a rede de segurança de todo o sistema financeiro”.
O terceiro elemento colocado pelo economista é que o Brasil é um dos países com a menor parcela da dívida pública detida por estrangeiros. “Isso faz com que o risco de não pagamento do Brasil seja muito menor, mesmo com uma dívida pública maior”, aponta.
Além disso, acrescenta, “o Brasil possui um sistema bancário nacional robusto, o que permite maior estabilidade para o sistema financeiro e garante que a gestão da dívida pública não sofra pressões externas em momentos de crise”.
Por fim, pontua, “parte significativa da dívida pública nada mais é do que títulos do Tesouro Nacional que o Banco Central utiliza para gerir a política monetária, uma vez que pela Lei de Responsabilidade Fiscal, o BC não pode emitir títulos próprios”.
Para Diogo Santos, no cômputo da dívida pública, “o fundamental é que o país gaste o dinheiro com o que é mais importante, para o seu desenvolvimento econômico e para combater a inaceitável desigualdade socioeconômica que possui”.
O economista enfatiza que “reduzir a dívida pública por meio da exclusão de direitos da classe trabalhadora e dos mais pobres, como defende o mercado financeiro, só fará perpetuar o subdesenvolvimento do país e espalhará miséria e violência. Os ricos, as grandes empresas, o setor financeiro são os que precisam contribuir mais com a arrecadação pública e terem menos privilégios”.
E, conclui: “é preciso, principalmente, fazer a economia brasileira se desenvolver e se modernizar e, para isso, o gasto e o investimento públicos são imprescindíveis. Por isso, é fundamental trabalhar para elevar a consciência e a ação política do povo brasileiro sobre quais são as verdadeiras soluções para o país”.
Fonte: O Vermelho