AMAZÔNIA EM AGONIA

Revista Fórum

As chamas que queimam milhares de hectares da maior florestal tropical do planeta inflamam grande discussão na atualidade, nos planos interno e internacional: os papéis do poder público e da coletividade na proteção de importantes biomas e a interação global nessa tarefa.

Em vinte anos, já se devastou, na Amazônia Legal, área equivalente ao território da Alemanha. Dados do Inpe revelam um aumento de 84% em focos de incêndio, em relação ao mesmo período em 2018. Até agora, já se perdeu cerca de 20% da cobertura vegetal original.

O momento exige real compreensão da função ecológica do bioma amazônico, considerando seu valor intrínseco, e, também, de sua vocação econômica, como valor instrumental. Habitat de inúmeros espécimes da fauna e da flora – muitos ainda não catalogados – a Amazônia é, também, espaço vital à subsistência cultural e física de populações indígenas e outras comunidades tradicionais, as quais são, inclusive, detentoras de conhecimentos associados ao vasto patrimônio genético, com potencial de exploração, observados os direitos das comunidades, como exige a lei.

É necessário harmonizar a utilização de recursos naturais com a promoção da sociobiodiversidade, sem que isso comprometa os processos renováveis, como propõe o tripé do desenvolvimento sustentável: proteção do ambiente, crescimento econômico, equidade social no acesso aos bens ambientais.

Entre tantos benefícios socioambientais, a “mata em pé” cumpre indispensável papel de captura de carbono, revitaliza cursos d’água, mesmo a quilômetros de distância, atua na regulação do clima, mitigando o aquecimento global. Em linguagem direta, a Amazônia não pode ser condenada a um processo de dilapidação ambiental e patrimonial, sendo progressivamente convertida em pastos e lavouras ou – o que é pior – em áreas desertificadas, pois é sabido que o fogo aumenta a emissão de carbono e empobrece o solo. Cientistas advertem que a destruição da mata nativa repercute diretamente nos índices pluviométricos, vitais à produtividade agrícola, já que a irrigação é empregada, no Brasil, em apenas 10% do total cultivado.

Isso não significa ser contra o agronegócio. Seria tolice seguir essa ideia, que só atende a propósitos maniqueístas destinados a desqualificar importante debate social, político e econômico.

A defesa da Amazônia não considera essa premissa, mas sim a correta identificação da vocação de cada porção do vasto território brasileiro, e a destinação de incentivos à expansão das atividades agrícolas nas regiões efetivamente agricultáveis, consoante criterioso zoneamento ecológico-econômico. Sendo responsável por cerca de 22% do PIB brasileiro, o agronegócio é fonte de riqueza, importante para o crescimento do país, e, sobretudo, fonte de alimento essencial ao desenvolvimento e à própria subsistência dos povos.

O agronegócio sabe que suas atividades e sua presença e força expansiva no mercado internacional estão diretamente atreladas a práticas sustentáveis, garantidoras do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Nenhum produtor rural comprometido com a sustentabilidade de seu negócio pode ser favorável à adoção de padrões insustentáveis de utilização de recursos ambientais.

O quadro atual desafia um novo pensar coletivo e uma tomada de posição clara e objetiva, antes que se chegue a um patamar irreversível. Não há liberdade de escolha na promoção do direito ao meio ambiente sadio. Proteger o ambiente, para as presentes e futuras gerações, não constitui faculdade, mas um dever constitucionalmente estabelecido. Trata-se de responsabilidade primária do poder público. Há uma obrigação qualificada pela Constituição, segundo a qual a Floresta Amazônica é patrimônio nacional, somente admissível sua utilização dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

Isso impõe planejamento, qualidade na gestão ambiental e execução de metas. Mecanismos de comando e controle do Estado devem ser reforçados, e não desestimulados. As ações criminosas das últimas semanas impõem medidas de responsabilização penal, civil e administrativa, principalmente se considerarmos que a destruição da Amazônia se dá no bojo de outras práticas nefastas de violência, invasão de terras públicas, grilagem, corrupção e trabalho escravo. Isso não é coisa de amador; é crime organizado. O Ministério Público Federal, neste particular, vem executando relevante programa intitulado “Amazônia Protege”, que, a partir de imagens de satélite, identifica áreas desmatadas e promove responsabilidades pelos atos ilícitos.

Há muito mais a fazer. À luz do princípio da cooperação entre os povos, o Brasil assumiu compromissos em nível internacional, em relação às mudanças climáticas. Fruto da 21ª Conferência das Partes (COP21) da Convenção sobre Mudanças Climáticas, o “Acordo de Paris” consubstancia um grande pacto visando à redução de emissão de gases de efeito estufa (GEE) e à contenção do aumento da temperatura média global, com o expresso reconhecimento de que a mudança do clima é uma preocupação comum da humanidade.

O Brasil ratificou o Acordo e depositou suas metas (NDC), comprometendo-se a reduzir emissões em 37% abaixo dos níveis de 2005, em 2025, e indicando a redução de emissões de GEE em 43% abaixo dos níveis de 2005, em 2030. A meta é ousada, mas factível, considerados, entre outros compromissos, a ampliação do uso de biocombustíveis na matriz energética, índice zero de desmatamento ilegal até 2030 e a restauração de 12 milhões de hectares de florestas. É urgente realizar o dever de casa, para o bem da imagem do país na comunidade internacional e, também, no horizonte de cada um de nós.

*Subprocurador-Geral da República; membro da Câmara de Meio Ambiente do MPF; Professor de Direito Ambiental da Faculdade de Direito da UnB.

Fonte: O Vermelho