Auxílio emergencial mostrou que milhões não têm acesso aos bancos

Segundo Simão Silber, os serviços bancários não foram desenhados para as camadas mais pobres da sociedade, as quais sobrevivem com renda transitória.

Aproximadamente 34 milhões de brasileiros não têm acesso a bancos, conforme dados de 2020 do Instituto Locomotiva divulgados pelo jornal Valor Econômico. A disponibilização do auxílio emergencial levou parte desses 21% da população a uma semibancarização, mas não foi um processo significativo, já que essa parcela utiliza as instituições financeiras apenas para sacar o dinheiro.

A bancarização, segundo especialistas, leva o cidadão a fazer circular recursos de forma mais econômica, segura e eficiente, evitando problemas de insegurança, o pesadelo da perda em troco e a intermediação por aproveitadores. Também tem acesso a rendimentos de poupança e serviços bancários pela internet.

Segundo a pesquisa, 10% dos brasileiros não tinham conta em banco (16,3 milhões) em janeiro de 2021, enquanto outros 11% (17,7 milhões) não movimentaram a conta no mês anterior, o que totaliza 21% do total sem conta em banco ou com pouco uso. Um ano antes, em janeiro de 2020, essa parcela era de 29% do total.

Segundo dados do Banco Central, o valor de circulação de papel moeda aumentou significativamente nos últimos meses com os saques do auxílio emergencial.

O professor Simão Silber, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP e pesquisador da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), explica que o avanço da bancarização foi mascarado pelo auxílio emergencial. A necessidade de receber o dinheiro levou a população desbancarizada a adentrar instituições financeiras para acessar os pagamentos.

A esmagadora maioria das pessoas sem acesso aos bancos integra as camadas desfavorecidas da sociedade, as quais não têm recursos suficientes para possuir ou acessar contas ou os serviços fornecidos pelas instituições. A informalidade é uma das responsáveis. Os homens são a maioria dos trabalhadores formalmente empregados, com depósito de rendimento em contas-salário.

“Imagine uma senhora que traz garrafas térmicas e bolo num ponto de ônibus para vender. Ela se virava sozinha [antes da pandemia]. Não estava em nenhum cadastro único. Agora, como perdeu o ganha-pão dela, com o auxílio emergencial ela entrou no banco e tirou o dinheiro”, diz ele, mencionando o aspecto da insegurança no transporte desse recurso.

O auxílio emergencial proporcionou o aumento da circulação de dinheiro durante a pandemia, inclusive levando o Banco Central a disponibilizar a nova nota de R$ 200. A razão para esse acréscimo de cédulas nas ruas é porque as pessoas desbancarizadas sacaram o dinheiro, ao invés de utilizar serviços de transação on-line, como PIX ou transferências. Com isso, começa a faltar moeda na praça.

“Boa parte desse pessoal gastou, mas não foi usando cartão, PIX, nada disso. Gastou dinheiro vivo, então tem muito mais dinheiro em circulação”. O problema disso é que, quando se tem mais dinheiro vivo circulando, maior é a dificuldade de troco.

Ele ainda mencionou o exemplo de pequenos comerciantes que “compravam” dinheiro trocado, com perda de parte do dinheiro. Ou seja, tem alguém que se especializou em vender trocados para pessoas que perdem renda com isso. Silber considera essa situação “um pesadelo medieval”.

A desbancarização é um obstáculo ao processo de circulação de moeda, apesar de ter evoluído com o auxílio emergencial. Contudo, para pessoas de baixa renda, que necessitam do dinheiro para sobreviver, integrar uma instituição financeira não é viável. “Para uma pessoa simples não faz o menor sentido, porque é para fins de consumo, não é que tem uma carteira de investimentos e precisa de um banco ou corretora, é alguém que não tem dinheiro nem para a sobrevivência”.

O professor acredita que o processo de bancarização seria produtivo se milhões de brasileiros não sobrevivessem com renda transitória. Dessa forma, seria possível fazer uso dos serviços bancários mas, infelizmente, essas instituições não foram desenhadas para as camadas mais pobres da sociedade.

“Poderia ser mais produtivo se as condições fossem mais adequadas, porque daria para usar o serviço do banco, caso contrário não dá. O banco não foi feito para pobre, para miserável”.

O objetivo do auxílio emergencial é garantir a subsistência das famílias pobres. A péssima distribuição de renda no Brasil contribui para o acirramento das desigualdades sociais presentes desde o fundamento da sociedade.

“O Brasil não é pobre, mas um país de pobres. São aqueles que foram marginalizados desde o começo da sociedade. Estavam submersos porque a economia não estava tão ruim, até a chegada da pandemia, todo mundo se virava. Agora não dá para se virar, porque tem uma série de atividades que desapareceram. O auxílio é para essas pessoas que estão abandonadas ao léu”.

Fonte: O Vermelho