BRASIL TEM MAIS A GANHAR COM A CHINA QUE COM OS EUA, DIZ PAI DOS BRICS

Desde que criou, há 20 anos, o termo Bric, num relatório econômico para o banco Goldman Sachs, o economista britânico Jim O’Neill acompanha de perto o comportamento do grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e, desde 2011, África do Sul. Os integrantes do bloco – países que, na visão de O’Neill, representariam possíveis grandes potências globais – vão se reunir na semana que vem, antes da cúpula do G20 (grupo que reúne as 20 maiores economias do mundo), em Osaka, no Japão.

Ainda que sejam muitos os problemas que o mundo enfrenta, o assunto que deve dominar a agenda dos Brics e do G20 é a guerra comercial entre Estados Unidos e China. Em entrevista à BBC, O’Neill disse que, se fosse instado a tomar partido, o governo brasileiro “seria louco” se não optasse pela China. “Não é razoável que os Estados Unidos forcem os países a tomarem esse tipo de decisão estúpida. O mundo precisa acomodar tanto Estados Unidos quanto China”, disse. “Mas, sob o aspecto econômico, se os países realmente tiverem que optar, muitos deles – e o Brasil também – seriam loucos se não escolhessem a China.”

Segundo dados do Observatório de Complexidade Econômica, ligado ao Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), os chineses correspondiam em 2017 a 22% das exportações brasileiras (US$ 48 bilhões) e os americanos, 11% (US$ 25 bilhões). Antes mesmo de tomar posse, Bolsonaro deixou clara a intenção de se aproximar fortemente do governo americano. Mas, embora durante a eleição Bolsonaro tenha feito duras críticas à China, acusando o país de tentar “comprar o Brasil”, desde que assumiu a Presidência ele não adotou nenhuma ação para reduzir o comércio com os chineses.

O’Neill, integrante da Câmara dos Lordes do Parlamento Britânico e ex-secretário do Tesouro do Reino Unido, observa que a China oferece um mercado consumidor para os produtos brasileiros muito maior que o americano: 1,3 bilhão de pessoas vivendo no país asiático contra 327 milhões nos EUA. Os americanos ainda competem com o Brasil na exportação de diversas commodities, como a soja, enquanto a China é compradora. E, mesmo em desaceleração, a China oferece mais possibilidades de investimentos em outros países que os EUA, principalmente no setor de infraestrutura.

Confira abaixo trechos da entrevista:

BBC News Brasil: O que esperar dos Brics durante o governo Bolsonaro, considerando que o presidente brasileiro defendeu diversas vezes aliança com os Estados Unidos e relações bilaterais em detrimento de multilaterais, além de ter feito recentemente críticas à China?
Jim O’Neill: Parte de mim está até surpresa em ver que ele irá para a reunião, considerando o que ele aparentemente tem dito. Mas vemos que, historicamente, é fácil para novos líderes dizerem algo e a realidade da vida modificar a forma como se comportam. Então, será muito interessante ver como será a reunião com a participação dessa pessoa intrigante que o Brasil elegeu como presidente.

Eu também diria que não está claro o que os líderes dos Brics de fato alcançaram de concreto desde que criaram o grupo, além de simbolizarem essa crença compartilhada de que grandes economias emergentes precisam de uma voz coletiva mais forte para além dos Estados Unidos e outros países desenvolvidos. Quando você olha para o que disseram, foram grandes declarações, mas poucas ações. Eles deveriam se perguntar o que foi feito, entre eles, que resultou em maior crescimento econômico para os países dos Brics, em conjunto ou individualmente.

A segunda parte é saber em que devem focar para melhorar a performance econômica dos países dos Brics. Talvez o surgimento de um líder não convencional possa mudar a forma como o grupo opera. Não tenho grandes expectativas. Como a pessoa que criou o termo, tenho o melhor dos interesses em ver os Brics prosperarem, mas gostaria de ver o bloco mais focado e menos generalista.

BBC News Brasil: Seria muito cedo ou radical dizer que o Brics está morrendo enquanto grupo organizado?
JO: Do lado econômico, certamente é o caso. Só dois dos quatro integrantes originais – e, se você incluir a África do Sul, só dois dos cinco países-membros – tiveram um desempenho econômico próximo do que previ originalmente. Brasil e Rússia tiveram uma década extremamente decepcionante. E a África do Sul, que nunca achei que deveria ser incluída no grupo, tem estado próxima à recessão desde que entrou para o grupo.

Então, compreendo por que algumas pessoas dizem isso (que os Brics estão morrendo). Mas os Brics simbolizam algo muito importante para todos os membros. China e Índia têm muitas discordâncias e raramente se reúnem fora dos Brics. É interessante ver que o presidente Xi Jinping parece satisfeito em aceitar dialogar com a Índia no âmbito dos Brics, porque o grupo simboliza o crescimento do mundo emergente.

Portanto, acho improvável que os Brics desapareçam enquanto China, Índia e Rússia estiverem onde estão. E, por causa de Donald Trump e da disputa com a China, acredito que os chineses e russos, em particular, podem passar a dar aos Brics uma importância ainda maior do que quando ele foi criado 20 anos atrás.

BBC News Brasil: É uma estratégia inteligente a do Brasil de optar por um alinhamento com os Estados Unidos em vez de estreitar as relações com a China?
JO: Com certeza não. Acho que, entre as várias razões pelas quais eu criticaria Trump, não é razoável que os Estados Unidos forcem os países a tomarem esse tipo de decisão estúpida. O mundo precisa acomodar tanto Estados Unidos quanto China. É uma bobagem seguir esse caminho. Sob o aspecto econômico, se os países realmente tiverem de optar, muitos deles, e acho que o Brasil também, seriam loucos se não escolhessem a China.

A China se tornou muito mais importante para esses países – no caso do Brasil, pela compra de commodities brasileiras – do que os Estados Unidos. Não é razoável que o Brasil tenha que fazer uma escolha e não seria lógico para o Brasil optar pelos Estados Unidos em vez de China. Não seria razoável nem para o Reino Unido fazer essa escolha, imagine para o Brasil.

BBC News Brasil: Mas, recentemente, o Brasil alcançou seu primeiro retorno em aumentar as relações com Trump, com os Estados Unidos declarando oficialmente apoio à entrada do Brasil à OCDE. É um ganho significativo?
JO: Simbolicamente, se o Brasil entrar para a OCDE, isso será um reconhecimento ou um certificado de uma nação mais sofisticada. Mas isso não influencia em nada em tornar o Brasil uma economia mais forte ou numa sociedade mais rica, se não forem adotadas as políticas necessárias.

E é claro que, para crescer, é importante que o Brasil continue a vender o que precisa vender para os grandes mercados, particularmente a China. Não consigo acreditar que o presidente brasileiro chegue ao ponto de antagonizar deliberadamente com a China a ponto de criar uma disputa comercial própria. Então, independentemente de entrar ou não para a OCDE, não seria inteligente para o Brasil tomar partido contra a China.

BC News Brasil: O Brasil chega enfraquecido para o G20 em comparação com o que foi nos anos anteriores em termos econômicos e de influência diplomática?
JO: Assim como não está claro para mim o que os líderes dos Brics alcançaram, também não está claro que o G20 tenha alcançado alguma coisa desde 2009. O país-sede introduz seus tópicos, e isso ganha alguma atenção em conjunto com o tópico do momento – no caso, a guerra comercial –, e em dois anos esse assunto já sai da agenda.

Então, se o Brasil terá algum destaque ou será propriamente ouvido no G20, na minha opinião, não é uma questão importante. O G20 está em risco de perder sua influência coletiva. É o grupo adequado para a discussão dos grandes problemas mundiais. Porém, por muitos anos tem feito declarações, mas não ações em relação ao que é dito.

BBC News Brasil: O que deve ser requisitado do Brasil no G20? A pauta, no caso brasileiro, tende a se restringir a meio ambiente?
JO: As áreas em que seria demandado um papel mais proeminente do Brasil estariam relacionadas a questões ambientais, mudanças climáticas, segurança alimentar e a discussão sobre riscos globais à saúde causados pela resistência a antibióticos, por causa do uso de antibióticos na agricultura. Acho que o Brasil vai receber alguma atenção dos líderes do G20 caso se dedique a esses assuntos.

BBC News Brasil: O Brasil passou por um período de recessão, voltou a crescer em 2017, mas os resultados ainda são fracos. O sr. ainda acredita que o país está predestinado a se tornar uma das maiores economias do mundo num futuro próximo?
JO: As pessoas esquecem, mas eu dizia com frequência nos primeiros anos do conceito dos Brics, quando todas essas economias iam muito bem, em especial o Brasil, que não conseguiríamos testar a probabilidade de o Brasil emergir como uma grande economia de classe média até que se livrasse da dependência na exportação de commodities (produtos primários, não industrializados).

As sementes dos problemas atuais do Brasil estão na queda dos preços das commodities, no início dessa década. O Brasil ainda precisa demonstrar que pode se liberar da necessidade de preços elevados de commodities no mercado internacional.

BBC News Brasil: O maior erro do Brasil nos últimos anos foi não ter sido capaz de diversificar a economia e se industrializar, especialmente durante o período do boom das commodities, quando tinha recursos para isso?
JO: Com certeza. Nesses 20 anos de Brics, ficou demonstrado que o Brasil sofre as consequências da maldição das commodities e precisa se esforçar muito mais – e Austrália e Canadá são exemplos de que isso é possível – para garantir que as sociedades sobrevivam à volatilidade do preço das commodities.

BBC News Brasil: Muitos dizem que estamos próximos da chegada da Era da Ásia, quando o PIB combinado dos países asiáticos vai superar a soma das economias dos países ocidentais. Como o Brasil deve se preparar para isso?
JO: Embora eu compartilhe da crença de que estamos numa era de crescimento cada vez maior da influência de países asiáticos, isso ainda não é uma certeza. Mas acho que os países devem se preparar tanto para as oportunidades da Era da Ásia quanto para os riscos. Isso se aplica ao Brasil, assim como para o Reino Unido e qualquer outro país.

É importante tentar manter e melhorar as relações bilaterais com China, Índia, Indonésia e Vietnã, porque eles parecem ter algumas décadas de prosperidade pela frente e tendem a se tornar mercados consumidores importantes e investidores. Ao mesmo tempo, é desaconselhável apostar todas as fichas nisso. Para isso, é importante aumentar a eficácia das reuniões dos Brics e do G20. Os Estados Unidos continuarão importantes, e China e outros países asiáticos se tornarão mais importantes relativamente ao restante do mundo.

BBC News Brasil: O mundo tem assistido a uma volta do protecionismo por grandes potências, particularmente os Estados Unidos na guerra comercial com a China. O Brasil tem que se abrir e liberalizar ou precisa proteger seus mercados diante dessa disputa?
O’Neill: Parte do dilema do Brasil vem exatamente do fato de ele ter sido protecionista. A participação do Brasil no comércio internacional, fora do âmbito da venda de commodities, é muito pequena. Protecionismo é a última coisa que o Brasil deve fazer. Os Estados Unidos ainda são a maior economia do mundo, mas, para quase metade dos países do mundo – o Brasil inclusive –, a China é a maior compradora dos produtos exportados. O fato de os Estados Unidos estarem adotando essa estratégia protecionista não significa que os outros países devem copiar, muito menos o Brasil.

BBC News Brasil: Qual deve ser o foco do G20 este ano?
JO: Infelizmente, o que deve dominar o G20 são as discussões paralelas entre Trump e Xi Jinping sobre a guerra comercial. Trump sempre parece querer viver no mundo de acordos bilaterais, o que acho inapropriado, mas ele deve fazer o mesmo no G20.


Com informações da BBC News Brasil
Fonte: O Vermelho

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