Em entrevista ao jornal O Globo, o ex-ministro Nelson Teich aponta a falta de liderança, de estratégia e de planejamento entre as principais falhas cometidas pelo governo federal no combate à covid-19. E também responsabiliza Bolsonaro.
Ministro da Saúde entre 17 de abril e 15 de maio, o médico Nelson Teich deixou o governo ao ser pressionado pelo presidente Jair Bolsonaro a disseminar o uso da cloroquina no combate à covid-19. Dez meses após a chegada da pandemia ao Brasil e sete meses após deixar o ministério, Teich considera que o número de mortes provocadas pelo coronavírus é superior ao anunciado (hoje, oficialmente, cerca de 190 mil) e já passa de 220 mil. Em entrevista ao jornal O Globo, o ex-ministro aponta a falta de liderança, de estratégia e de planejamento entre as principais falhas cometidas pelo governo federal no combate à covid-19. E também responsabiliza Bolsonaro.
“Falta de tudo: planejamento, estratégia, liderança, coordenação e informação. Tudo isso aí não é uma coisa só. As pessoas falam de temas como se fossem uma bala de prata. Dizem que a Coreia do Sul foi bem porque investiu em testagem, por exemplo. Mas a testagem faz parte de uma estratégia maior. É a forma de evitar que as pessoas passem (o vírus) para os outros. Os países que tiveram grande controle foram os que conseguiram evitar casos novos. Tem países que fizeram coisas diferentes e deram certo. É um conjunto de ações. Tem que ter diálogo imenso com estados, municípios, uma comunicação com a sociedade forte. Por isso, estratégia e planejamento são fundamentais”.
Para Teich, Bolsonaro atrapalhou o combate à pandemia ao ter um discurso não alinhado ao do ministério. “Numa situação como essa, você tem que ter uma coordenação em linguagem única máxima. Toda vez que você tem um conflito de informações, de mensagem, de posicionamento, você confunde as pessoas. Não ter uma comunicação alinhada, forte, todo mundo mandando a mesma mensagem, dificulta o combate à pandemia, claramente”, afirmou.
“Liderança não é uma coisa que você consegue por decreto, precisa ser legitimada. O líder real não se impõe, ele é escolhido. Os estados, municípios precisam ver que é melhor estar com o governo federal do que sozinhos. E tem que haver um trabalho de comunicação também. Chegamos agora a um cenário parecido com o início da pandemia, com problemas de falta de equipamentos. Já devemos ter chegado a 220 mil mortos, porque há uma subnotificação”, diz.
Na avaliação do ex-ministro da Saúde, a concessão do auxílio emergencial foi o grande acerto do governo no enfrentamento da pandemia. “Claro que você sempre vai ter problemas quando repassa (verbas) para milhões de pessoas, empresas. Outro problema é que a gente ainda tem pouca informação sobre essa doença, e trabalhar no meio de tanta incerteza é uma crise fenomenal. Todo dia você tem que rever decisões. Algo que você imaginou que daria certo e não deu. Se essas coisas são tratadas para criar guerra política, polemizar, agredir, você não consegue ter paz para fazer as coisas acontecerem”.
Teich admite que a pressão do presidente para que o ministério encampasse a defesa do uso da cloroquina, mesmo sem comprovação científica sobre a eficácia do medicamento contra o coronavírus, foi a gota d’água para que ele deixasse o governo. “Foi um gatilho que me fez enxergar que eu não teria autonomia e legitimidade para fazer as mudanças que precisavam ser feitas. Eu poderia ter pegado carona com o Conselho Federal de Medicina (que defendeu à época a possibilidade de prescrição mais ampla, até então restrita aos pacientes graves), mas como vou aprovar um remédio que não funciona? Se meu lado técnico, que era um dos meus pontos fortes, não é respeitado, decidi que não havia como continuar.”
O ministro diz que daria nota 7 para o governo e 6 para o Ministério da Saúde pela condução da crise e que priorizaria a compra das vacinas caso voltasse ao cargo. Teich assumiu a pasta após a ruidosa saída de Luiz Henrique Mandetta, demitido após divergir publicamente do presidente Jair Bolsonaro das formas de enfrentamento ao novo coronavírus.
“Tem detalhes que não estão sendo discutidos. A maioria da vacinas é de duas doses. Uma pergunta: eu vou vacinar uma pessoa duas vezes ou vou dar a primeira em quem não recebeu ainda? Tem que sentar com a indústria e discutir no detalhe. Quanto tempo eu tenho para fazer a segunda dose? 14 dias, 21 dias? É o período máximo ou posso postergar? É uma discussão fundamental. As coisas são trabalhadas de uma forma muito pouco técnica, esse é o problema”, disse o ex-ministro às repórteres Paula Ferreira e Renata Mariz.
Fonte: O Vermelho